
Assassinada em plena luz do dia, Ana Rosa Rodolfo de Queiroz, 49 anos, era uma "mulher trabalhadora e corajosa", como definiu uma familiar que, diante da emoção, preferiu não se identificar. A motorista de transporte por aplicativo morreu ao ser esfaqueada durante um assalto, na Quadra 4 do Cruzeiro Velho, nesta quarta-feira. O suspeito do crime é Antônio Ailton da Silva, 43, um ex-pastor já procurado pela polícia sob a acusação de tentar matar a ex- mulher e uma amiga dela, na terça-feira, no Recanto das Emas. O homem foi preso minutos após o crime, depois de ser perseguido por populares no Sudoeste.
"Ela (Ana) saía de casa ainda de madrugada para trabalhar. Preferia dirigir no Plano Piloto, porque dizia que era mais seguro. Estava fazendo faculdade de terapia ocupacional", contou a familiar. A motorista, que foi candidata a vereadora pelo município de Valparaíso de Goiás, onde morava, deixa o esposo, com quem era cada havia mais de 20 anos, e dois filhos, de 23 e 14 anos.
De acordo com informações preliminares, Ana teria atendido a uma solicitação de corrida em Brasília, com destino a Valparaíso de Goiás, no Entorno do DF, município onde Antônio mora. O local exato de onde o suspeito solicitou a corrida não foi confirmado pela polícia, nem se a solicitação ocorreu por um aplicativo ou de maneira informal. No Cruzeiro, Antônio anunciou o assalto, supostamente com a intenção de roubar a bolsa da vítima. A mulher reagiu, momento em que foi esfaqueada no pescoço, com uma faca de serra de cozinha. Após ser atacada, ela perdeu o controle e bateu o carro.
A dona de uma banca de jornais contou à polícia ter escutado um forte barulho de batida em frente à loja. Quando olhou, viu Antônio saindo de dentro do veículo às pressas. Ferida e ensanguentada, a testemunha afirmou ter conversado com a mulher antes de ela falecer. Ana teria dito que trabalhava como motorista de aplicativo e que tinha sido vítima de um assalto.
Fuga e ataque
Após ass a motorista, Antônio fugiu, mas foi perseguido por populares, que gritavam na rua: "Pega, ladrão". Um sargento do Exército ava pela feira permanente do Cruzeiro, quando viu o suspeito correndo, vestido de terno e com uma pasta nas mãos. Uma caminhonete ou e o motorista gritou para o militar: "É ladrão. Ele roubou uma mulher".
O sargento seguiu Antônio e deu ordem de parada, mas o autor partiu para cima dele com uma faca. Depois, voltou a correr e a falar palavras desconexas, dizendo: "Eu fui roubado. Me roubaram R$ 1 mil". O militar tentou conversar, mas o suspeito, novamente, partiu para cima dele.
O sargento disparou uma arma de fogo contra o chão e Antônio voltou a correr em direção ao Sudoeste. Ele ou pelo terminal do Cruzeiro e cruzou a avenida da Jaqueira, quando foi abordado e preso pelas equipes da PM. A fuga foi registrada por uma câmera de segurança instalada na rua.
Revolta
Em frente à 3ª Delegacia de Polícia (Cruzeiro), que investiga o caso e para onde o suspeito foi levado, o clima era de indignação. Ao menos 30 motoristas de transporte por aplicativo buzinaram em protesto ao assassinato de Ana Rosa. Entre eles, estava Camila Cristina, 31, motorista de aplicativo há dois anos. Com a voz embargada, ela relatou se sentir frustrada com a insegurança vivenciada por esses profissionais.
"Fico arrasada, porque trabalhamos na rua todos os dias para levar o sustento da nossa família. Carregamos pessoas que sequer conhecemos. Minha mãe, que é uma senhora, viu a reportagem sobre o assassinato na tevê enquanto almoçava e ficou em choque, pois poderia ter sido eu. Saímos para trabalhar sem saber se voltaremos para casa", lamentou a motorista.
Amigo de Rosa, Manoel Scooby, 47, chegou atordoado à delegacia. Também motorista de aplicativo, ele disse não acreditar na tragédia. "Conheço ela (Ana) desde 2017, era motorista 'das antigas'. Fazíamos protestos e íamos à Câmara Legislativa apresentar proposta", contou. O assassinato de Ana Rosa é tratado como flagrante de latrocínio.
"Agressivo e ardiloso", diz delegado sobre o criminoso
Bruna Pauxis
“Um pesadelo”, foi a frase usada pela ex-mulher de Antônio, atacada por ele, para descrever as agressões do ex-esposo contra ela e uma amiga, na madrugada de terça-feira, um dia antes do ex-pastor ass a motorista de aplicativo. ““Ele entrou na casa da minha amiga de madrugada, eu estava dormindo lá por medo. Não acreditei no que acontecia, parecia um pesadelo. Ele me enforcou, quase me matou. Foi uma coisa terrível, eu nasci de novo”, contou a vítima.
Antônio e a vítima foram casados por cerca de um ano e moravam em Valparaíso de Goiás. O ex-pastor de uma igreja evangélica do município teria começado a usar drogas e a beber, motivo que levou a mulher a dar um ponto-final na relação. A vítima deixou a casa e alugou um barraco ao lado da residência da amiga, no Recanto das Emas. No dia do crime, ela dormiu no imóvel da colega, uma idosa de 66 anos.
Antônio esperou a proprietária da casa ir para o quarto e aproveitou o momento para invadir o cômodo onde estava a ex-mulher. O agressor e a ex tiveram uma discussão, pois ele disse que não se mudaria para o Recanto das Emas. A vítima, então, foi dormir no sofá da sala e relatou à polícia ter despertado com Antônio por cima dela. Segundo o delegado Fernando Fernandes, chefe da 27ª DP, a mulher fingiu-se de morta para escapar das agressões.
Após o ataque, o homem se dirigiu ao quarto da dona da casa, bateu na porta e pediu socorro, alegando que a ex estaria ando mal e precisava de ajuda. A mulher abriu a porta e foi surpreendida com murros. Enquanto tentava desvencilhar-se das agressões, desmaiou e acordou por volta das 4h.
O delegado afirmou que os vizinhos ouviram barulhos e desconfiaram que algo estava acontecendo na casa, momento em que Antônio fugiu. Ainda segundo o delegado, Antônio é “ardiloso”, o que tornou o seu rastreio difícil. “Ele não usava redes sociais, não andava com celular, evitava fotos. Até para receber pagamento via PIX ele usava chave de outra pessoa, o que dá a entender que ele pode estar sendo procurado em outra unidade da federação”, detalhou Fernando Fernandes, acrescentando que o autor dos crimes possuía três agens em seu estado de origem, Pernambuco, por crimes de violência doméstica.
Ao ser preso, em depoimento, Antônio aparentava estar sob efeito de drogas ou álcool. “Ele (Antônio) tentava falar algumas agens bíblicas, inventava histórias e dizia ter sido vítima de assalto”, disse o delegado Fernando Fernandes.
A vítima
Ana Rosa Rodolfo de Queiroz Brandão, 49, era natural de Cristalina (GO) e morava em Valparaíso (GO). Começou a trabalhar como motorista de aplicativo após ser demitida de um cargo comissionado. Ela foi candidata à vereadora em 2020 e deixa o esposo e dois filhos, de 23 e 14 anos.
Rotina de medo na capital
José Albuquerque*
Dilson Nilmar, 59 anos, morador de Samambaia, é motorista de aplicativo e roda 13 horas por dia. Ele considera a profissão arriscada para o condutor. "Tomo muito cuidado, observo onde o ageiro está, a nota no aplicativo e o horário da corrida. Se por algum motivo desconfiar de algo, cancelo e vou embora. Não vale a pena correr riscos por um valor tão ínfimo", completou.
O motorista cobra mais medidas de segurança, mas se mostra desesperançoso com a postura das empresas de transporte em relação a políticas trabalhistas. "As plataformas não querem saber dos motoristas, eles nunca vão fazer nada por nós. É mais fácil tirarem os benefícios que já existem", reclamou.
Para ele, uma possível solução para tornar o trabalho mais seguro seria uma política de "nada consta" para o cadastro de ageiros. "Assim como é exigido dos motoristas, tinha que exigir dos ageiros. Eu me sentiria mais seguro sabendo que a pessoa que eu transporto não tem antecedentes criminais", disse.
Richard Alves, 25, é motorista de aplicativo há cinco anos e já fez mais de 15 mil corridas. Entre elas, uma o deixou apreensivo enquanto trabalhava. "Aceitei uma corrida de madrugada e no perfil que pediu a viagem constava uma mulher. Quando cheguei, era um homem que tinha aproximadamente a minha idade. Quando ele entrou no carro, percebi que portava uma tornozeleira eletrônica. Fiquei com medo, mas não cancelei a corrida. Graças a Deus, tudo correu bem", lembrou o motorista.
Ele afirmou que o maior critério de avaliação para segurança nas plataformas em que opera é a nota do ageiro no aplicativo. "A nota dá uma referência de como vai ser a corrida. Se for menos de 4,70, é dor de cabeça na certa", esclarece.
O motorista vê no reconhecimento facial um caminho para aumentar a sensação de segurança no trabalho. "Um sistema onde a corrida só fosse validada com o reconhecimento seria o ideal. Resolveria o problema dos perfis sem foto, que são o maior motivo de cancelamento de corrida por parte dos motoristas, além da questão de terceiros pedirem corrida, o que facilita que delitos sejam cometidos, já que não tem forma de rastrear dados de quem cometeu o ato, só de quem pediu a viagem", concluiu.
*Estagiário sob a supervisão de Eduardo Pinho
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Darcianne Diogo
RepórterFormada em jornalismo pelo Centro Universitário Iesb, é especializada na cobertura da área de segurança pública e pós-graduada em jornalismo investigativo. Integra a equipe do Correio desde 2018