
Para além de abrigar o centro do poder político do país, Brasília também tem se destacado cada vez mais pela união de forças em favor da dignidade e do protagonismo da população LGBTQIA. Criado em 2017, o Distrito Drag tem sido um polo criativo e multiplicador de cultura, filantropia e projetos que levam cidadania às pessoas em situação de vulnerabilidade, por conta da orientação sexual ou identidade de gênero.
Ex-trabalhadora sexual, nascida e criada em Brasília, Kiki Klein, 57 anos, saiu das ruas graças ao acolhimento e oportunidade dada pelo Distrito Drag. Hoje ela atua na militância pela visibilidade transexual e luta desde 2023 pela retificação do nome de pessoas trans nos documentos. "A mulher trans é uma das mais discriminadas na sociedade. Apenas por ser quem é, ela não tem direito de andar na luz. Daí, o que resta muitas vezes é trabalhar na noite. Muitas de nós não têm nem mesmo o título de eleitor, que é imprescindível para exercer a cidadania", afirma. "Trabalhamos para ajudá-las a conquistar esse direito básico. É muito gratificante", completa.
Uma das principais colaboradoras do Distrito Drag hoje, Kiki tem o apoio da instituição para buscar parcerias e financiamento para apoiar pessoas que lutam pelo reconhecimento da própria identidade de gênero. "De dois anos para cá, retificamos o nome de 110 pessoas. No meu trabalho aqui, ajudo também na parte dos direitos sociais. Nós atuamos, principalmente, pessoas em situação de vulnerabilidade e que vêm da periferia. As selecionamos e encaminhamos aos endocrinologistas para ter o aos hormônios e também indicamos psicólogos", explica.
O Distrito Drag começou como um coletivo de artistas drag e se transformou em uma Organização da Sociedade Civil (OSC). "Quando nos tornamos uma OSC, conseguimos fazer muito mais pela nossa comunidade, articular parcerias, buscar recursos públicos por meio de editais, etc. Buscamos fazer o que o Estado, muitas vezes, não consegue. Muitas vezes, o Estado não consegue chegar lá na ponta e saber quem é essa população vulnerável", explica Ruth Venceremos, 40 anos, fundadora do Distrito Drag.
Entre os projetos desenvolvidos pelo Distrito Drag, estão cursos de formação livre em várias áreas para capacitar pessoas LGBTQIA com o objetivo de inseri-las no mercado de trabalho. "O projeto é o Qualifique-se Mais. Tivemos vários cursos, como corte e costura, produção cultural e capacitações para o mercado cultural. Tivemos recentemente um curso de socorrista e brigadista que ajudou participantes a conseguirem emprego", detalha Ruth. "Muita gente da nossa comunidade não tem emprego não é porque não quer e, sim, porque não tem oportunidade. Por isso, buscamos ajudar em ações de geração de emprego e de renda", acrescenta.
Sem custo
Outra frente de atuação é o projeto Saúde Sem Preconceito, uma parceria com médicos endocrinologistas e também psicólogos, que ajudam pessoas da comunidade sem custos. "Temos também um fundo emergencial formado por doações recebidas, que usamos para ajudar pessoas da nossa comunidade que se encontram em situação de vulnerabilidade", acrescenta Ruth Venceremos.
A primeira ação realizada pelo distrito, e que impactou culturalmente e socialmente milhares de pessoas na capital do país, foi o Bloco das Montadas, que sai anualmente no carnaval de rua desde 2018. "O bloco é um espaço de alegria e de acolhimento, principalmente para os jovens que sofrem com preconceito e discriminação. É um espaço em que esse jovem e as pessoas da comunidade começam a se reconhecer no outro e se afastam do sentimento de isolamento", diz Ruth. "Eu venho de uma geração que nasceu com desamparo cultural, nós não tínhamos referências positivas. Queremos mudar isso na realidade desses jovens de Brasília", completa.
As ações transformadoras desenvolvidas pelo distrito têm mudado a realidade da cidade e das pessoas que aqui vivo. "Quando vejo a grandeza do Distrito Drag, a primeira sensação é de pertencimento e a relação com Brasília é muito forte. Impactamos tanto pessoas que nasceram aqui e as que escolheram a cidade para viver. Nossa relação com a cidade é de resistência e de sobrevivência", ressalta a fundadora. "Fazemos uma analogia da arte drag com a criação de Brasília. A arte drag é a arte da transformação, que tem tudo a ver com a estética de Brasília, que é uma cidade montada e projetada. As pessoas classificam Brasília como uma cidade conservadora. Eu discordo. Para mim, é uma cidade inspiradora", destaca.
No Distrito Federal, a estimativa é que tenha 113 mil pessoas LGBTQIA , segundo pesquisa feita pelo IPEDF. "Sabemos que há muita subnotificação. Nosso objetivo é chegar onde esse grupo vulnerável está e nossa missão é bem mais grandiosa. Quando atendemos uma pessoa da comunidade, atendemos a família toda. Nossa ação também impacta diretamente muitas famílias", conta Ruth.
União de forças
O alcance do Distrito Drag vai além do apoio à população LGBTQIA. Os projetos impulsionados pela instituição também alcançam famílias de diversas regiões istrativas do DF. Há cinco anos, Alessandra de Oliveira Alves, 35, líder comunitária em São Sebastião, é uma das agentes transformadoras que, com apoio do instituto, leva ações sociais até mulheres em situação de vulnerabilidade social e vítimas de violência doméstica.
"Temos aulas de zumba, direcionadas à saúde física e mental das mulheres. Temos um trabalho de distribuição de cestas básicas também, doadas por vários supermercados. Temos parceria com a Fiocruz também para levar conscientização no combate ao câncer do colo do útero", elenca Alessandra. "Muitas vezes, a população LGBTQIA tem uma família que também precisam de apoio", completa. A arte também é levada às crianças de São Sebastião por meio da parceria com o Distrito Drag. "Estamos com um curso de pintura na Escola Classe Vila do Boi para crianças de 7 a 12 anos. Já temos crianças formadas", afirma.
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