Meio Ambiente

Conheça histórias de pessoas que semeiam cores e vida pela cidade

Microecossistemas urbanos são espaços que transformam a correria da rotina no Distrito Federal e representam um papel fundamental para a manutenção climática

O Jardim Sequeiro, na Universidade de Brasília (UnB), muda de cor durante o ano de acordo com o florescimento das flores que são plantadas a cada período -  (crédito: Fotos: Bruna Pauxis)
O Jardim Sequeiro, na Universidade de Brasília (UnB), muda de cor durante o ano de acordo com o florescimento das flores que são plantadas a cada período - (crédito: Fotos: Bruna Pauxis)

Diz o ditado: "Nem tudo são flores". Mas, em meio à correria da cidade grande, uma vida com flores é, certamente, melhor. No Distrito Federal, um espaço verde em meio às construções encanta quem anda pela 713 Norte. Com mais de cem espécies de plantas medicinais e ornamentais em uma estrutura quase mágica em frente à sua casa, Sandra Fayad, transformou sua vizinhança. A ideia veio de seu pai há quase 20 anos, que limpou o terreno para a filha fazer sua horta. Após o falecimento de seu Jorge, em 2007, a servidora pública aposentada continuou o trabalho, plantando não só ervas, mas um ponto de lazer para a comunidade. 

"A gente atende pessoas o dia todo, tem gente que vem perguntar como cuidar melhor de uma planta específica, ou vem comprar uma mudinha, ou só para para ficar olhando mesmo a horta e lendo as informações que construímos com o tempo. Se tornou um espaço de convivência para a comunidade", conta Sandra. Ela, que já é idosa, conta com a ajuda de Ana Célia Lima, de 50 anos. "Pra mim é como uma terapia. Há dois anos perdi um filho e, trabalhar aqui tem me ajudado, tenho estado melhor", conta Ana. "A gente vê nas plantas uma resiliência tão grande, uma vontade de viver. É inspirador", completa.

O espaço ganhou reconhecimento do Governo do Distrito Federal (GDF), que o considera um microecossistema urbano, ou seja, um pequeno espaço, em meio à cidade, no qual os seres vivos interagem entre si e com o ambiente. Mesmo autorizado para funcionar em espaço público, o Viveiro do Microecossistema Urbano não recebe ajuda de custo do Estado e é sustentado, apenas, pela venda de mudas e produtos feitos a partir das ervas, além da contribuição voluntária da comunidade. "Com o tempo de seca, muita gente deixou de comprar plantas, então tivemos que ar a vender outros produtos. Fazemos shampoo, repelente ambiental e, também, agora estamos desidratando as ervas", disse Sandra, que instalou um "hotel de plantas" para a vizinhança, um espaço para as crianças, um mural de dicas e duas composteiras (local onde resíduos orgânicos se transformam em adubo para as plantas). 

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O professor do Departamento de Ecologia da Universidade de Brasília (UnB) José Francisco Gonçalves explica que microecossistemas são ambientes de interação controlada entre os organismos e possuem uma grande importância no contexto urbano.  "Estabelecemos as relações entre o compartimento biológico, que são os seres, e o compartimento abiótico, que seria o solo e o ar. Essas relações são estabelecidas em uma escala menor em um microecossistema, que são fechados e precisam do cuidado humano", conta. "Por sua vez, esses espaços atraem outros seres, muitos polinizadores, que espalham  as plantas, ajudam no processo de regulação microclimática. Além disso, a vegetação auxilia na produção de oxigênio e serve de alimento para os animais que vivem nas áreas humanas, além do próprio ser humano", completa.

  • Além de plantas medicinais, no viveiro são plantadas também ornamentais
    Além de plantas medicinais, no viveiro são plantadas também ornamentais Bruna Pauxis
  • Ana Célia ajuda todo dia no microecossistema
    Ana Célia ajuda todo dia no microecossistema Bruna Pauxis
  • Em meio às casas, comércios e prédios da Asa Norte, o microecossistema muda o ar da comunidade da região
    Em meio às casas, comércios e prédios da Asa Norte, o microecossistema muda o ar da comunidade da região Bruna Pauxis
  • Nicolas Behr é dono do viveiro Pau Brasília há 30 anos
    Nicolas Behr é dono do viveiro Pau Brasília há 30 anos Bruna Pauxis
  • Suculentas se destacam no viveiro Pau Brasília
    Suculentas se destacam no viveiro Pau Brasília Bruna Pauxis
  • Júlio Pastore iniciou o projeto do Jardim Sequeiro na pandemia
    Júlio Pastore iniciou o projeto do Jardim Sequeiro na pandemia Bruna Pauxis

Onde se puder plantar, plante

 Quando os alunos da Universidade de Brasília retornaram ao regime presencial após meses de isolamento da pandemia, se surpreenderam com as belas cores do jardins no Insituto Central de Ciências (ICC). Os vários gatos da universidade brincam, desde o nascimento do projeto Jardim Sequeiro, em meio a plantas, borboletas e arinhos que vivem na área sobre as lajes centrais do prédio.  "Com as crises hídricas de 2016 e 2017 perdemos o jardim que havia aqui. Tivemos a ideia, então, de fazer um jardim dentro da realidade da UnB, sem grana para jardineiros, sem água e com a eventual crise hídrica acontecendo a qualquer momento", explicou o professor do Departamento de Agronomia, Júlio Pastore. "Esse jardim é feito em cima da laje, então não tem o à reserva hídrica e acompanha o ciclo de chuvas do Distrito Federal. Ele muda de cor durante os meses, porque mudam as plantas que estão florindo, depois seca completamente. A partir daí fazemos a colheita das sementes e replantamos", explica o docente. O grupo nasceu na pandemia e, anualmente, abre inscrições para novos voluntários, que atuam durante o ano, se reunindo às segundas-feiras. "A gente quer que as pessoas participem do processo inteiro, de cada fase do cuidado com o espaço", ressalta Júlio. O Jardim Sequeiro oferece também cursos e workshops abertos à comunidade, como aquarela, arranjo de flores secas, fotografia, pintura em tecido, mel de abelhas nativas, visitas guiadas, colheita e conservação de sementes e arranjos florais.

Apaixonado por Brasília e pela natureza, o escritor Nicolas Behr é dono do Viveiro Pau Brasília, no Polo Verde do Lago Norte há 30 anos. Um dos pioneiros do que seria referência no mercado de plantas de capital, Behr vê no Polo Verde um ambiente não só de compra e venda, mas de interação com as pessoas com a natureza e com a paz trazida pelo verde. "Tem gente que visita, assim só de eio e depois volta para comprar algo. A gente acolhe todos, mesmo que não levem nada", conta o escritor. "Eu acho que a planta é um produto muito especial, porque é vivo. As pessoas gostam muito de sapatos, roupas ou carros, mas, ao adquirir uma planta, você se torna meio que responsável por ela. É uma ligação muito especial", completa. Para ele, o ser humano tem uma visão muito mecanicista da natureza.  "A planta não é uma máquina de produzir flor nem sombra. Nós temos uma visão muito antropocêntrica, da natureza ao nosso serviço. A planta é um serviço como nós, nós somos um serviço. E elas têm as suas maneiras de sobrevivência, e nós as nossas", explica. "Plante poemas para que que as raízes sejam seu fio-terra", escreve Behr em um de seus textos, que simboliza sua relação com as palavras e o verde. 

 

postado em 08/05/2025 06:05
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