-->
VACINAÇÃO

Não são só as crianças: baixa vacinação de adultos também preocupa

Para a pediatra Isabella Ballalai, vice-presidente da SBIm, esses baixo números são decepcionantes, uma vez que o controle da vacinação deve fazer parte do pré-natal.

BBC
Mariana Alvim - Da BBC News Brasil em São Paulo
postado em 13/11/2022 21:14
Para especialistas, baixas taxas de vacinação de grávidas contra gripe e tétano são particularmente graves -
Para especialistas, baixas taxas de vacinação de grávidas contra gripe e tétano são particularmente graves -

Após conquistar em 2016 um certificado internacional por ter conseguido eliminar o sarampo, o Brasil viveu nos anos recentes uma derrocada no combate a essa doença, que pode ser fatal. Em 2018, o país voltou a ter casos confirmados dessa infecção viral e chegou a 2022 com surtos ativos no Amapá e em São Paulo.

Para especialistas entrevistadas pela BBC News Brasil, uma das explicações para essa preocupante reviravolta no combate ao sarampo é a baixa vacinação de adultos contra a doença — embora qualquer um que tenha até 59 anos de idade e não tenha sido vacinado tenha o direito de ser imunizado gratuitamente na rede pública.

A vacinação, hoje centrada no imunizante tríplice viral (contra sarampo, caxumba e rubéola), é considerada a principal arma no combate à doença.

"Nós não conseguimos interromper a cadeia de transmissão, porque ainda tem adultos doentes (com sarampo). Estão sendo feitas campanhas e mais campanhas de vacinação, e essa população não comparece", afirma Carla Domingues, epidemiologista e coordenadora do Programa Nacional de Imunizações (PNI) entre 2011 e 2019.

Em média, aproximadamente 73% dos brasileiros na faixa etária de 1 a 4 anos de idade estão vacinados contra o sarampo; entre 5 e 24 anos, a cobertura é considerada total (estimada em 99-100%). A partir daí, os números começam a cair: 83% de cobertura vacinal de 25 a 29 anos; 72% de 30 a 49 anos; 49% de 50 a 59 anos; e apenas 20% entre aqueles com mais de 60 anos.

Esses números foram calculados pela BBC News Brasil a partir de dados estaduais enviados pelo Ministério da Saúde.

"A vacinação da população adulta e mesmo adolescente sempre foi muito mediana", acrescenta, referindo-se não apenas à imunização contra o sarampo, mas a todas as vacinas que os adultos devem tomar, seja com doses iniciais ou de reforço.

A vacina contra o sarampo é só uma dos vários imunizantes disponíveis para maiores de idade — o site da Sociedade Brasileira de Imunizações, a SBIm, traz cartilhas com informações sobre todas as vacinas que devem ser tomadas em diferentes fases da vida, do nascimento à terceira idade.

Muitas delas foram incluídas no PNI em décadas recentes, portanto, as gerações mais velhas não tiveram, quando crianças, o às imunizações existentes hoje ou ao número de doses recomendadas atualmente.

Apesar de parecer consenso que a cobertura vacinal de maiores de idade é bem mais baixa que entre as crianças, são escassos os dados sobre os percentuais de adultos e idosos que estão em dia com todas as doses e vacinas recomendadas e as flutuações ano a ano.

Na plataforma Datasus, do Ministério da Saúde, é possível ver por exemplo que a cobertura vacinal de crianças contra diversas doenças, como tuberculose e poliomielite, vem diminuindo consideravelmente nos anos mais recentes — para alguns imunizantes, a queda começou perto de 2016, e para outros, entre 2018 e 2019.

Já para adultos, praticamente não há dados na plataforma. Existem apenas números da cobertura vacinal dos imunizantes dT (contra difteria e tétano) e dTpa (difteria, tétano e coqueluche) entre gestantes — que, no Brasil, são na maioria adultas. Em 2020, 86% das crianças nascidas vivas no país tinham mães com mais de 20 anos de idade, de acordo com dados do ministério.

A cobertura vacinal de grávidas com doses de dT e dTpa, que já era baixa, caiu fortemente nos últimos anos. Em 2018 a 2019, a cobertura foi de 45%, diminuiu para 22,9% em 2020 e para 18,9% em 2021. Em outubro de 2022, a cobertura estava em 12,8%.

Para a pediatra Isabella Ballalai, vice-presidente da SBIm, esses baixo números são decepcionantes, uma vez que o controle da vacinação deve fazer parte do pré-natal.

"A maioria das nossas gestantes a pelos programas de saúde da família, já que a maioria é atendida na rede pública, e não em consultórios particulares. Como assim elas não estão recebendo essa orientação (para atualizar a carteira de vacinação)?", indaga a médica.

"A gente sabe que 100% das mortes por coqueluche acontecem em menores de um ano, a grande maioria nos primeiros seis meses de vida. Por isso, a gente vacina a gestante", aponta, referindo-se a uma das doenças prevenidas com a dTpa. "A gente eliminou o tétano neonatal graças a vacinar gestante. O bebê pegava tétano no parto."

Carla Domingues, ex-coordenadora do PNI, lembra que as vacinas recomendadas para gestantes — não apenas as dT e dTpa — protegem a própria saúde dessas mulheres.

"A gestante tem uma imunossupressão natural da gravidez, ela fica realmente com o sistema imunológico comprometido. Ela tem o risco de adoecer, de ter complicações e chegar a óbito. A gestante deveria ser uma ação prioritária do Sistema Único de Saúde (SUS), até porque ela faz o pré-natal. Não tem justificativa uma uma mulher que faz o pré-natal não ter a sua caderneta de vacinação em dia", diz a epidemiologista.

"Na minha opinião, a baixa vacinação de gestantes deve ser a prioridade nesse momento."

Outro sinal de queda recente na vacinação de gestantes e de outros grupos maiores de idade vem da imunização contra o vírus da influenza. A campanha nacional de vacinação contra a gripe para 2022 já é considerada encerrada, segundo o Ministério da Saúde. Vários grupos prioritários ficaram abaixo da meta de 90% de cobertura vacinal.

Dados ainda parciais para este ano mostram que 56% das grávidas foram vacinadas contra a gripe — contra 78% em 2021. As puérperas, aquelas que estão no pós-parto e também são um grupo prioritário nesta imunização, têm um percentual ainda menor: 52,6%. Em 2021, o percentual neste grupo foi de 85,1%.

Os idosos, grupo que costuma ser um dos mais assíduos na vacinação da gripe e que, em 2020, teve 100% de cobertura, teve adesão aquém do esperado em 2021 (70,9%) e 2022 (69,8%).

"A vacinação de gripe varia de acordo com a percepção de risco pela população. Em 2020, quando começou a pandemia, a cobertura foi muito grande, porque todo mundo estava assustado com a covid e buscando se proteger da gripe também. Em 2021, ninguém mais estava preocupado com a gripe. A cobertura foi baixíssima, assim como esse ano", explica Ballalai.

Em segundo plano

Carla Domingues reconhece que, durante a pandemia de coronavírus, os serviços de saúde ficaram sobrecarregados com a nova doença, e a vacinação contra outras enfermidades ficou em segundo plano, tanto para o sistema de saúde e seus profissionais, quanto para a própria população.

"Isso aconteceu não só no Brasil, mas em vários países do mundo. Com a pandemia, as pessoas ficaram com receio de ir ao serviço de saúde, acabaram não entendendo que a vacinação também era uma atividade essencial. Mas ao mesmo tempo, não houve uma mobilização do SUS. Não se escutou em momento algum que a vacinação era uma atividade essencial que não deveria parar", aponta.

As especialistas entrevistadas afirmam que a vacinação de adultos sempre foi menos prioritária nas ações e divulgações do governo, o que para elas deve mudar, com mais investimentos para chegar a essa população.

Há também um fator cultural: elas apontam que falta informação e acompanhamento da vacinação dos maiores de idade por parte dos profissionais de saúde e pela própria população.

Por exemplo, é comum que adultos não guardem com cuidado suas carteiras de vacinação, perdendo controle de quais imunizantes tomaram e quais estão faltando. Na dúvida, quando não se sabe se uma pessoa tomou ou não uma vacina, a orientação nos postos de saúde costuma ser aplicar o imunizante.

"O adulto também deve ter a sua carteira de vacinação em dia. O pai tem uma preocupação enorme de vacinar o seu filho, mas ele chega no posto de saúde e muitas vezes se recusa a tomar vacina. Acredito que seja realmente desconhecimento da importância da vacinação não só da criança, mas principalmente do adulto", diz Domingues.

Renan Bidutti de máscara com o filho no colo, em frente a posto de saúde
BBC
Renan Bidutti considera a imunização de adultos importante, mas confessa que não vê sua carteira de vacinação há cerca de 10 anos

O cozinheiro Renan Bidutti, de 28 anos, afirma que considera a vacinação de crianças e adultos igualmente importantes, se os "estudos científicos" e as autoridades assim indicarem.

Ele mora em São Paulo (SP) e estava levando o filho de 1 ano de idade para se vacinar contra meningite em um posto de saúde quando foi abordado pela reportagem.

Apesar de concordar que os adultos também devem estar atentos à imunização, ele confessa que não sabia que a vacina dTpa deve ser reforçada a cada dez anos.

"Não imaginava que a gente tinha que tomar o reforço, porque minha carteirinha está na casa de um parente distante tem uns dez anos", diz. "Mas tem que tomar, colocar em dia sim."

Já o cabelereiro Daniel Araujo, de 39 anos, que aguardava a cunhada e o filho dela em frente a um posto de saúde, afirmou que é "um pouco antivacina" e não atualiza a carteira de vacinação desde a infância — com exceção da vacina de gripe e de duas doses do imunizante contra a covid-19, o qual ele disse ter tomado apenas para conseguir viajar e circular em locais que exigem comprovante de vacinação.

Araujo, morador de Guarulhos (SP) e natural de Parnaíba (PI), diz que teve efeitos colaterais ao ser vacinado contra gripe há alguns meses e por isso pretende não tomar mais doses no futuro.

Daniel Araujo posando para a foto e sorrindo em frente a posto de saúde
BBC
O cabelereiro Daniel Araujo não está com doses e reforços em dia, mas não demonstra muita preocupação com isso

Perguntado se é vacinado com todas as doses de recomendadas contra o sarampo, Araujo riu. "Eu acho que peguei sarampo há dois meses. Eu vou fazer alguns exames e vou ver se o médico acha que tem necessidade de tomar", diz.

O cabelereiro também considera que "as crianças têm que ser mais protegidas com vacinas, porque têm o sistema mais frágil" do que os adultos — o que a médica Isabella Ballalai refuta, explicando que as vacinas têm a função justamente de fornecer imunidade contra doenças que as pessoas não têm normalmente, independente da idade.

"As crianças vivem o primeiro ano de vida às custas dos anticorpos maternos, mas esses anticorpos maternos vão acabando. Por isso que a maioria das vacinas do calendário são aplicadas em crianças, porque elas precisam da vacina para produzir logo seus anticorpos", explica.

Sobre os efeitos adversos, ela explica que eles são raros — e há muitas etapas de testes clínicos anteriores para garantir isso — e são superados pelos benefícios da imunização, coletivamente e individualmente, já que o mais frequente é que um eventual acometimento pela doença cause muito mais dano do que os efeitos adversos.

"Mas qualquer vacina pode causar efeito adverso. Aliás, qualquer medicamento pode causar efeito adverso", lembra a médica.

Carla Domingues acrescenta que ter tomado vacinas do calendário básico na infância dá a "falsa sensação de proteção" a muitas pessoas, mas é fundamental tomar doses adicionais quando isso for recomendado.

"O reforço é tão importante quanto o esquema primário. A maioria dessas vacinas que exigem reforço é porque você vai perdendo a imunidade ao longo do tempo. Então, aquele esquema primário que você fez lá no início com uma, duas, três doses, quando há necessidade do reforço é justamente porque, com o ar do tempo, aquelas doses não te protegem mais, você está suscetível à doença."

Carteira de vacinação
BBC
Muitas vacinas foram incluídas no PNI em décadas recentes, então as gerações mais velhas não tiveram o quando crianças

Ballalai exemplifica a importância de algumas vacinas às quais os adultos têm direito, seja por não terem sido vacinados anteriormente, como contra a hepatite B; seja como reforço, caso da dTpa.

"A vacina da hepatite B está disponível para qualquer pessoa, sem limite de idade, inclusive os maiores de 60 anos. É uma doença que pode ficar crônica. E tardiamente, às vezes 15 ou 20 anos depois, ela pode se manifestar com câncer ou uma cirrose hepática."

"Todo mundo que pensa no tétano pensa no prego enferrujado, mas a bactéria está nas fezes do cavalo, na terra. Tem um risco enorme (no contato com objetos e áreas contaminadas)."

Em nota à reportagem, o Ministério da Saúde afirmou que realizou em 2022, para adultos, campanhas de vacinação contra a covid-19, hepatites, sarampo e influenza e que todos os esforços foram empenhados para o alcance da cobertura vacinal.

Ainda de acordo com a pasta, as mudanças ao longo dos anos nos tipos de vacinas ofertadas e no número de doses recomendadas são frutos de "avanços na imunização da população brasileira", com o oferecimento de um "maior número de imunizantes".

"O programa vem empreendendo esforços no sentido de introduzir novas tecnologias e vacinas com intuito de proteger a população, além de reduzir o número de injeções e visitas a salas de vacinação. Além disso, busca com essa introdução associar em um mesmo imunobiológico componentes que protejam contra mais de uma doença em uma mesma istração, a exemplo da vacina monovalente contra o sarampo, que em 2003 foi substituída pela vacina tríplice viral (sarampo, rubéola, caxumba)", afirmou o ministério.

- Texto originalmente publicado em https://correiobraziliense-br.parananoticias.info/portuguese/brasil-63381556

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail [email protected].

Footer BBC