MUDANÇAS CLIMÁTICAS

O processo que derrete gelo atinge curso dos oceanos

Esse processo altera a salinidade e a densidade das águas, podendo aumentar o nível do mar e o aquecimento global. De acordo com os pesquisadores, se a emissão de gases do efeito estufa seguir em alta, deve desacelerar até 20% em duas décadas e meia

A liberação de água doce pode minimizar o processo de
A liberação de água doce pode minimizar o processo de "afundamento" das águas, vital para a troca de calor e o transporte de nutrientes - (crédito: Francisco Eliseu Aquino)

O derretimento das camadas de gelo da Antártida está afetando a Corrente Circumpolar Antártica (CCA), a corrente oceânica mais poderosa do mundo, o que pode causar danos diretos para o clima global e os ecossistemas marinhos. Em um estudo recente, pesquisadores da Universidade de Melbourne, na Austrália, e do Centro de Pesquisa NORCE, na Noruega, indicam que a CCA pode desacelerar até 20% em mais duas décadas e meia — até 2050 —  , caso a emissão de gases do efeito estufa se mantiver em alta.

A pesquisa, publicada na revista Environmental Research Letters, detalhou como o derretimento de gelo que cai no Oceano Antártico altera a salinidade e a densidade das águas, impactando a circulação oceânica. Segundo os pesquisadores, a CCA é fundamental para a troca de calor, dióxido de carbono e nutrientes entre os oceanos Atlântico, Pacífico e Índico, e a desaceleração dessa corrente pode causar consequências globais, como aumento do nível do mar e aquecimento.

A CCA também age como barreira contra espécies invasoras que poderiam afetar a fauna antártica. Com a desaceleração da corrente, cresce a possibilidade de organismos como algas e moluscos afetarem a cadeia alimentar local, prejudicando, por exemplo, a dieta dos pinguins.

Os líderes do trabalho, Bishakhdatta Gayen, professor da universidade, e o cientista climático, Taimoor Sohail, simularam os impactos das mudanças nas condições oceânicas. O modelo desenvolvido pelos pesquisadores revelou que a desaceleração da CCA pode ocorrer mesmo em cenários de emissões mais baixas, caso o derretimento do gelo siga o ritmo projetado.

Conforme Gayen, à medida que o gelo antártico derrete, a água é transportada pelas correntes oceânicas. "Particularmente a 'água intermediária antártica', em direção ao equador através do oceano subterrâneo. À medida que a água fria e fresca derretida se move para o norte, ela se espalha, ocupando uma grande proporção das profundezas do oceano. Essa migração de água fria e fresca derretida em direção ao oceano subterrâneo, ao norte da Antártida, impacta significativamente a densidade do oceano na região", detalhou ao Correio.

Impactos

"A ACC e os padrões de circulação relacionados existem devido às diferenças na temperatura do oceano, salinidade e ventos superficiais ao redor da Antártida. À medida que a salinidade do oceano é bastante alterada pelo derretimento do gelo e pela migração da água derretida ao redor da Antártida, a corrente desacelera", completou.

Karina Bruno Lima, doutoranda em climatologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul e divulgadora científica, acrescentou que, essa corrente faz parte do grande sistema de circulação de revolvimento oceânico, "que funciona como uma 'correia transportadora', essencial para o transporte de calor e nutrientes, logo, a rápida e drástica redução das emissões de gases de efeito estufa é fundamental para evitar esse cenário". 

Sohail lembrou que o Acordo de Paris, de 2015, visava limitar o aquecimento global a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais. "O aquecimento global continuará impactando diretamente o derretimento do gelo da Antártida", afirmou. A pesquisa sugere que esforços conjuntos para reduzir as emissões de carbono podem amenizar esses efeitos, evitando a desaceleração prevista da CCA.

Além das mudanças na temperatura e salinidade, o estudo aponta para outros problemas. A liberação de água doce pode minimizar o processo de "afundamento" das águas, vital para a troca de calor e o transporte de nutrientes entre as camadas profundas e superficiais. Esse enfraquecimento da circulação pode reduzir ainda a capacidade do oceano de absorver dióxido de carbono, acelerando o aquecimento global.

Os pesquisadores ressaltaram que, embora os resultados sejam preocupantes, mais estudos são necessários para entender totalmente o impacto da desaceleração da CCA. "Modelos antigos não conseguiam capturar adequadamente os processos em pequena escala que controlam a força da corrente. Nosso modelo resolve esses processos e mostra que a CCA pode desacelerar no futuro", afirmou Gayen.

Para Vinicius Nora, gerente de Oceanos e Clima do Instituto Internacional Arayara, a desaceleração da Corrente Circumpolar Antártica é, sobretudo, mais um alerta sobre como a queima de combustíveis fósseis impacta não somente a atmosfera, mas toda a dinâmica ambiental. "Esse efeito cascata compromete a estabilidade climática global, intensifica eventos extremos, acelera o aumento do nível do mar, prejudicando cidades e economias inteiras. Precisamos abandonar a ilusão de que ainda temos tempo para manter esse modelo energético baseado em fósseis — as consequências já estão acontecendo, e com velocidade maior do que prevíamos."

Com o derretimento contínuo do gelo, as alterações são inevitáveis. Os cientistas alertam para os riscos de não agir, que pode resultar em impactos irreversíveis para o clima e a biodiversidade marinha. "A desaceleração da CCA tem o potencial de afetar profundamente a cadeia alimentar e os ecossistemas globais, tornando essencial a redução das emissões de carbono para limitar os danos", ressaltou Sohail.

Novas análises 

Francisco Eliseu Aquino, professor do Departamento de Geografia/Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

“É um tema extremamente importante e a comunidade científica internacional ligada ao Oceano e a Antártica vem se debruçando ao melhor entendimento do comportamento da corrente circumpolar Antártica, que no sentido do ponteiro do relógio envolve toda a Antártica e tem um papel primordial no sistema da circulação oceânica global e no clima da Terra. O problema descrito na pesquisa tem um efeito combinado, em cascata, a água mais quente das regiões tropicais chegará mais próxima da Antártica e aumentará o derretimento das plataformas de gelo. Essas combinações são perigosas, porque a gente observa o incremento de eventos extremos, como os ocorridos em 2023 e 2024 no sul do Brasil, e eles podem se amplificar em diversas outras regiões. O artigo é bem interessante, está provocando a comunidade de especialistas com o resultado desse modelo ótimo e que permitirá agora umas discussões e novas análises a partir deste resultado.”

 

Novas análises

Francisco Eliseu Aquino, professor do Departamento de Geografia/Centro Polar e Climático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS)

“É um tema extremamente importante e a comunidade científica internacional ligada ao Oceano e a Antártica vem se debruçando ao melhor entendimento do comportamento da corrente circumpolar Antártica, que no sentido do ponteiro do relógio envolve toda a Antártica e tem um papel primordial no sistema da circulação oceânica global e no clima da Terra. O problema descrito na pesquisa tem um efeito combinado, em cascata, a água mais quente das regiões tropicais chegará mais próxima da Antártica e aumentará o derretimento das plataformas de gelo. Essas combinações são perigosas, porque a gente observa o incremento de eventos extremos, como os ocorridos em 2023 e 2024 no sul do Brasil, e eles podem se amplificar em diversas outras regiões. O artigo é bem interessante, está provocando a comunidade de especialistas com o resultado desse modelo ótimo e que permitirá agora umas discussões e novas análises a partir deste resultado.”


 

Isabella Almeida
postado em 06/03/2025 15:02
x