Cinema

Papa da polêmica: LaBruce traz política e sexo explícito em O intruso

Não há limites para as denúncias e visões libertárias do canadense Bruce LaBruce, diretor de O intruso, que conversa com o Correio

Filme O intruso, baseado em obra de Pasolini
 -  (crédito: A Political/ Divulgação)
Filme O intruso, baseado em obra de Pasolini - (crédito: A Political/ Divulgação)

Há muito de discurso no novo filme do incendiário canadense Bruce LaBruce, O intruso, mais um na fila de filmes que expressam ambivalência sobre pornografia, convenções e até mesmo identidade homossexual. O diretor canadense coloca o ator Bishop Black no centro de uma provocação de cinema que versa sobre imigrantes e refugiados — que, curiosamente, chega às vésperas da discussão da necessidade de um Exército europeu.

"Penso que a democracia é uma instituição digna, e que está atualmente, de modo universal, ameaçada. Acho que a tradição do jornalismo imparcial e objetivo é essencial", diz LaBruce, quando examina a conjuntura global. Com personagens que são pregadores ou defensores de doutrinas "dogmáticas ou fanáticas", ele cria um filme novo, apoiado no tremor "de alegria" possibilitado por imagens de sexo explícito, e imantado por Teorema (clássico de 1968, assinado por Pasolini).

Atento à crítica feita à hipocrisia ou contradições, LaBruce crê que, em cinema, não pregue conceitos. "Contemplo elementos camp (rasgados), que é uma sensibilidade ancorada em irônica distância, uma certa teatralidade e exagero, embalada por respostas (artísticas) contraditórias. Meu o trabalho é, muitas vezes, ambíguo; os que pregam raramente lidam com ambiguidades", defende.

Entrevista // Bruce LaBruce, cineasta

Você objetivamente cita o clássico brasileiro Macunaíma. O que conhece de cinema daqui?

Não sei tanto quanto gostaria. Dois dos produtores de O intruso, Victor Fraga e Alex Babboni, são brasileiros, e foram eles que me chamaram a atenção para Macunaíma e a cena do nascimento de um adulto, a que faço referência no meu filme. É claro que já vi o trabalho de alguns dos mais conceituados realizadores brasileiros como Walter Salles, Hector Babenco (sou grande fã do Pixote), Fernando Meirelles e José Padilha. Também sou amigo do grande realizador queer brasileiro Gustavo Vinagre. Quando visitei São Paulo, recentemente, no Mix Brasil, participei de um filme dele.

Teu cinema é anárquico? Difere dos filmes de Pasolini, em quem, claramente, te inspirou?

Comecei como um cineasta punk, queer, experimental e underground, portanto tenho fundos de expressão e política anarquistas, trago um ethos (comportamento) punk, retido em mim. Pasolini era mais marxista do que anarquista, embora tenha adotado pensamento dialético e uma filosofia religiosa alinhada a Spinoza (na racionalidade, de um Deus espelhado na natureza) permitiram-lhe seguir crenças quase contraditórias. Foi marxista, mas também católico; católico, mas também ateu (pelo menos quando era jovem), um católico e um homossexual, embora a igreja condenasse homossexualidade. Sou agnóstico, não católico, mas o meu o trabalho aborda a intersecção entre êxtases sexuais e religioso s. Sou fascinado com a percepção de que a Igreja católica e os seus santos são fetichistas e sadomasoquistas.

Como assim?!
Costumo dizer que a maioria dos fetichistas têm uma espécie de devoção espiritual e reverência pelos seus objetos de desejo, por mais vis ou abjetos que sejam. Em termos de representação sexual, tenho uma visão mais descaradamente pornográfica do que a de Pasolini, dados meus impulsos anarquistas e punk, mas penso que se ele não tivesse sido assassinado tão jovem, poderia muito bem ter explorado a pornografia mais diretamente no seu cinema. Parece que ia naquela direção.

Por acaso, o diretor Peter Greenaway te inspira, no quesito degradação visual?

Vi a maioria dos filmes de Peter Greenaway. Eu gosto dele, com as intervenções formalistas, o seu estruturalismo, a picturalidade de suas composições e a sua decadência barroca. Assisti a seu primeiro filme experimental The falls quando era estudante de cinema e isso impressionou-me muito. Pensei muito em O cozinheiro, o ladrão, sua mulher e o amante, quando filmei as cenas do jantar em O intruso. Nisso, ajustei movimentos de câmara e trouxe o ambiente burguês da sala de jantar. Assim, dali imprimi a distinção de classe e as ideias de consumismo e canibalismo (no caso do meu filme, coprofagia que, aliás, tomei de empréstimo do Salò).

 

Ricardo Daehn
postado em 21/02/2025 07:17
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