COMÉDIA

Grupos candangos de humor levam comédia de Brasília a todo o país

Entre outros, Melhores do Mundo, G7 e Cia Setebelos levam a humor candango para os quatro cantos do Brasil

Hermanoteu na Terra de Godah é uma das peças nacionais de maior sucesso -  (crédito: Divulgação)
Hermanoteu na Terra de Godah é uma das peças nacionais de maior sucesso - (crédito: Divulgação)

Centro de tomada das decisões mais importantes do país, Brasília vai muito além da política. Em meio ao universo dos engravatados, a cidade também se mostra apaixonada por aquilo que vai de encontro com a seriedade dos Três Poderes — o humor. Seja feita em grupo, seja em solo, a comédia da capital federal é reconhecida nos quatro cantos do Brasil. Há 30 anos, a companhia de comédia Os Melhores do Mundo representa a arte local nos 26 estados do território brasileiro e abre portas para novos talentos.

Prestes a realizar mais uma turnê internacional, Os Melhores do Mundo celebram três décadas de êxito da companhia e também de um dos mais populares espetáculos nacionais. "Hermanoteu [na Terra de Godah], de fato, é um fenômeno do teatro brasileiro, porque está em cartaz há quase 30 anos. É impressionante o sucesso que faz com o povo, ontem mesmo a gente recebeu um pôster de um grupo do sertão da Paraíba que está montando Hermanoteu. Grupos amadores pelo Brasil afora, igrejas, escolas, centros comunitários, sempre tem alguém montando essa peça", conta o integrante Jovane Nunes.

A trama, que gira em torno de um hebreu da Pentescopeia, chegou a, inclusive, conquistar alguns dos mais renomados atores do país — Chico Anysio, por exemplo, é quem gravou a voz de Deus que é reproduzida no espetáculo. "Ele gostava muito da gente e sempre nos apoiou. A primeira vez que ele foi nos assistir no Canecão, após a gravação dele, foi, por coincidência, na mesma noite em que Fernanda Montenegro e o Fernando Torres foram nos ver também", lembra o ator.

"Após o fim da peça, eles foram para o camarote com a gente e ficamos quase a madrugada toda batendo papo. Fernando se identificou muito com o nosso grupo, gostou demais, e, mesmo com a saúde debilitada, foi nos assistir. Fernanda ficou muito agradecida por aquela noite — algumas pessoas disseram para mim que foi o último dia que ele saiu de casa antes de falecer", revela Jovane. Na época, o ator que morreu em 2008 já precisava do auxílio de cadeiras de rodas e enfermeiras.

"O Helder faz o papel do diabo na peça e, no camarim, o Fernando virou para ele e falou: "Se o diabo for como você, eu quero ir para o inferno'", recorda aos risos. Para além de Hermanoteu, o grupo acumula diversos espetáculos de sucesso — em Brasília, eles apresentam a peça Notícias Populares em 29 e 30 de março, no Espaço Cultural Caesb, em Águas Claras. No mês de abril, a Sala Martins Pena, do Teatro Nacional, recebe Tela plana e Planeta boing, de 18 a 20 de abril e 25 a 27 do mesmo mês, respectivamente.

Outro grupo importante da cidade, o G7 celebra, em 2025, 20 anos de carreira com o propósito de olhar para a cena da comédia local. "Aqui, não temos muitos espaços disponíveis, além de poucos profissionais de teatro e grupos também. São poucas pessoas fazendo teatro, e isso não ajuda na formação de um público maior na capital. Muitos artistas que fazem sucesso aqui logo saem para ganhar mais dinheiro viajando pelo país, e tudo bem. Mas nós do G7, justamente por enxergarmos menos opções para quem mora aqui, decidimos ficar e fazer teatro para a população do DF, mesmo deixando de viajar o país, pois é onde mais precisam de nós por agora", declara Rodolfo Cordon.

"Um dia sairemos de novo, quem sabe, com filmes também, mas até lá continuaremos a enfrentar todos os obstáculos para fazer de Brasília a capital do humor", afirma. O grupo, que busca sempre se inspirar em temas que estão em alta, apresenta atualmente a peça Me engana que eu posto. "O espetáculo conta a história de Isabela, uma jovem deslumbrada com influencers que viraliza de uma hora pra outra", narra o ator.

Siga o canal do Correio no WhatsApp e receba as principais notícias do dia no seu celular

"A peça tem uma cena em que expectativa e realidade se encontram para tentar ajudar Isabela a cuidar de sua saúde mental, tem uma live que parodia as lives de famosas da web e também um final surpresa que leva os espectadores adultos de volta à infância e, depois, novamente de volta pra vida real", adianta Rodolfo. As apresentações ocorrem aos sábados e domingos, às 19h, no Teatro La Salle. No fim de abril, o grupo já parte para um novo espetáculo — Deu a louca na I.A., inspirado, segundo eles, "no assunto do momento: inteligência artificial". A peça tem previsão de estreia para o dia 26.

Para Santiago Mello, comediante do Valparaíso de Goiás que ganhou projeção nacional ao integrar o projeto Jokes, de Thiago Ventura, os grupos de humor da cidade aproximaram a população local do gênero. "O público de comédia de Brasília é diferente do público do resto do país, talvez pela existência dos Melhores do Mundo e demais grupos, como o G7. Aqui sempre teve muito teatro de comédia, então, acho que o pessoal se adaptou a isso. Diversos humoristas de outros estados falam que em Brasília realmente parece que o pessoal entende um pouco mais a comédia e gosta um pouquinho mais", relata.

Antes de se mudar para a capital paulista em 2017, Santiago foi um dos humoristas que abriu portas para novos talentos, como o de Denison Carvalho, que teve a vida mudada pela comédia. "Eu morava em Ceilândia Sul, na Guariroba, e agora moro em um bairro de playboy em São Paulo. É muito doido, vivo outra realidade, a comédia mudou minha vida e da galera ao meu redor", comemora Denison.

"Eu faço questão de falar que sou de Brasília, de Ceilândia, em todo lugar a que vou", garante o humorista. "No final do meu show, eu toco Hungria, Tribo da Periferia e Menos é Mais. Eu arrisco dizer que sou eu dos que mais falam de Brasília, levanto a bandeira mesmo, porque vejo que a cultura regional de outros estados é muito forte e, por sermos de uma cidade muito jovem, é difícil ter isso. Precisamos abraçar e valorizar o que é nosso", destaca o também roteirista, que ou por programas de sucesso como A culpa é do Cabral.

Espaço para rir

"Brasília estava muito carente de um espaço da comédia, para as pessoas que queriam assistir especificamente a um stand-up ou a uma apresentação de humor", diz Daniel Villas Bôas, da Cia de Comédia Setebelos. "Tínhamos uma agenda esporádica, muitas vezes no teatro, com preços muito acima do que as pessoas estão dispostas a pagar. Precisávamos de um espaço mais ível, um clube de comédia para fomentar a cultura de assistir uma comédia despretensiosa em um lugar que você pode pedir uma comida, uma bebida, essa mistura de bar e restaurante com teatro", opina.

Desde novembro, o desejo de humoristas locais tornou-se realidade com a abertura do Aplausos Clube de Comédia, na QE 34 do Guará II. "A ideia de criar a Aplausos vem da vontade de termos um lugar específico para esta veia da arte que é a comédia. Diferentemente do teatro, o nosso espaço nasceu para ser intimista e aproximar ainda mais o artista do seu público", explica o proprietário e comediante Leonardo Batista. Denison Carvalho se apresenta na casa com o stand-up Quase tudo sob controle no próximo dia 21, enquanto o Setebelos é responsável por um projeto quinzenal no espaço.

Apesar de ter contato com o teatro desde os 9 anos de idade, foi um curso de teatro do G7, em 2011, que fez Leonardo vislumbrar a possibilidade de trabalhar com comédia pela primeira vez. "Sou de Brasília, os grupos teatrais que mais iro e dos quais fiz parte são daqui, então, nada mais justo que homenagear e devolver com gratidão tudo que a cidade já me deu", defende.

Também movida pelo carinho à cidade natal, a humorista Niny Magalhães, primeira mulher negra a ter um especial de comédia no Brasil, planeja abrir o próprio clube de comédia em Ceilândia, onde nasceu. "Quero muito que seja perto de uma estação de metrô, com o para todos. Quando  comecei a fazer comédia,  sempre sonhei em ter um lugar onde eu sempre pudesse voltar para fazer show e ter a minha noite", compartilha a comediante, que mora há três anos na capital paulista.

"Com todas as dificuldades que eu enfrentei para conseguir me apresentar no início da carreira,  sempre pensava que mulheres como eu não sairiam de casa para ir a um teatro ou a um barzinho para assistir stand-up. Isso era algo que me incomodava muito. Então, eu vim para São Paulo para buscar conhecimento e ideias. Eu não fui embora de Brasília para voltar de mão vazia. Eu acredito muito na força da comédia que eu faço e quero fazer esse movimento na cidade", finaliza.

 


  • Niny Magalhães é a primeira mulher negra a ter um especial de comédia no Brasil
    Niny Magalhães é a primeira mulher negra a ter um especial de comédia no Brasil Foto: Juliana Nunes
  • Adriano Siri, integrante do Melhores do Mundo, no estúdio com Chico Anysio para gravação da voz de Deus
    Adriano Siri, integrante do Melhores do Mundo, no estúdio com Chico Anysio para gravação da voz de Deus Foto: Reprodução/Facebook
  • G7 apresenta a peça Me engana que eu posto: a loucura das redes sociais
    G7 apresenta a peça Me engana que eu posto: a loucura das redes sociais Foto: Gustavo Gracindo
  • Cia de Comédia Setebelos celebra 20 anos em atividade
    Cia de Comédia Setebelos celebra 20 anos em atividade Foto: Berinjela
  • De Valparaíso, Santiago Mello ganhou projeção nacional ao ingressar 
no grupo Jokes, de Thiago Ventura
    De Valparaíso, Santiago Mello ganhou projeção nacional ao ingressar no grupo Jokes, de Thiago Ventura Foto: Reprodução/Instagram
  • Nascido em Ceilândia, Denison Carvalho é um dos roteiristas do programa A Culpa é do Cabral
    Nascido em Ceilândia, Denison Carvalho é um dos roteiristas do programa A Culpa é do Cabral Foto: Divulgação/Denison Carvalho
  • Cia de Comédia Setebelos: clube 
de comédia
    Cia de Comédia Setebelos: clube de comédia Foto: Divulgação/Setebelos
Isabela Berrogain
postado em 16/03/2025 07:00 / atualizado em 16/03/2025 08:27
x