
Após os Estados Unidos anunciarem tarifas recíprocas para uma série de países, a avaliação entre analistas do mercado financeiro é de que a taxa de 10% implementada sobre os produtos brasileiros foi um resultado mais positivo do que se imaginava anteriormente.
O Brasil foi enquadrado na lista de países que serão taxados pelo piso de 10%, definido pelo governo norte-americano e comunicado nesta quarta-feira (2/4).
Outros países não tiveram a mesma “sorte” que o Brasil, de acordo com a lista divulgada pela Casa Branca. Grande parte das nações mais impactadas ficam na Ásia, como a China, que terá os produtos destinados aos EUA submetidos a uma tributação de 34%, além de Japão (24%), Vietnã (46%), Taiwan (32%), Coreia do Sul (25%), Tailândia (36%), entre outros.
Na avaliação do analista e head de renda variável da Veedha Investimentos Rodrigo Moliterno, o anúncio das tarifas acabou saindo barato para o Brasil. “O mercado especulava algo em torno de 15% e veio até melhor, em 10%. Então, acho que a reação do mercado deve ser uma reação positiva. Acho que a gente pode ver no nosso mercado o Ibovespa performando positivamente, subindo, e o dólar continuando dando uma arrefecida”, destacou.
Moliterno reconheceu que devem ser consideradas outras variáveis para indicar a trajetória do dólar, além do comportamento da moeda brasileira. Apesar disso, ele considera que o Brasil pode se beneficiar das outras economias, principalmente das asiáticas, que devem procurar o Brasil para fazer negócios em detrimento dos Estados Unidos, que elevaram a tarifação.
“Então eu vejo como um ponto positivo que o Brasil também tende a se beneficiar da Ásia, em matéria de aumento do comércio com ela, em geral, principalmente com a China. Mas, no geral, eu acho que 10% acabaram saindo bom para o Brasil”, destaca o especialista.
Inflação e câmbio
Nesta quarta-feira, o dólar fechou em alta de 0,27%, cotado a R$ 5,69, e o Índice da Bolsa de Valores de São Paulo (Ibovespa/B3) ficou praticamente estável, com um leve aumento de 0,03%, aos 131.190 pontos. Vale destacar que o mercado fechou antes do anúncio das medidas de Trump. Desta forma, os reais efeitos devem começar a ser observados a partir desta quinta-feira.
O economista-chefe da Bluemetrix Asset, Renan Silva, que também acredita que o Brasil saiu menos prejudicado do que se esperava com o anúncio desta quarta, destaca que há questões internas que ainda devem ser resolvidas para garantir o controle inflacionário e do câmbio.
“Aqui nós trabalhamos com a expectativa de uma retração econômica em busca desse controle inflacionário. Acontece que poderia ser tudo pior, dependendo desse pronunciamento que veio um pouco melhor do que se esperava. E isso fez com que o mercado pelo menos ficasse neutro, mas o que pesa, realmente, também são essas essas questões internas”, avalia.
Guerra comercial
Sobre os conflitos tarifários que devem se intensificar ainda mais a partir de agora, a especialista em comércio exterior Stefânia Ladeira destaca que é importante o Brasil fazer um jogo econômico forte e sem retaliações. “Os produtos brasileiros vão se tornar mais competitivos que de outros países e isso pode abrir o mercado americano enquanto essa transação de tarifas e negociações continuam”, pontua a especialista.
Ela destaca um trecho do discurso de Trump, que abriu a possibilidade de negociações desde que o país se disponha a reduzir as próprias alíquotas de importação para produtos norte-americanos. De acordo com um levantamento do Bradesco, com base em dados do Banco Mundial de 2022 (os mais atualizados até aqui), a alíquota média aplicada pelo Brasil a esses produtos e serviços é de 11,3%, acima do que foi anunciado na lista da Casa Branca.
No relatório elaborado pela representação comercial dos EUA – o USTR, na sigla em inglês – sobre as tarifas aplicadas pelo resto do mundo, há 9 páginas detalhadas sobre o Brasil, que destacam uma alta carga tributária de importação. Para a especialista, isso reflete o nível dos impostos no país e limitações válidas, como autorização da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para a importação de equipamentos médicos e a limitação de importações de itens usados.
“Ao analisar sob a visão americana, o relatório não leva em consideração a própria realidade brasileira e preocupação em assuntos como taxa do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), que é citado no relatório, sem explicar ou considerar que a tabela do IPI é a mesma para importação ou o mercado interno”, destaca, ainda.
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Na avaliação do economista e líder do Mercado de Capitais da Crowe Macro Brasil, Ricardo Rodil, ainda é difícil avaliar as consequências das medidas anunciadas. Mesmo assim, ele arrisca dizer que o impacto mais imediato tende a ser o de gerar pressões inflacionárias dentro dos EUA.
“Se isso for confirmado, o Federal Reserve (Fed) – Banco Central dos EUA – deverá manter ou até aumentar os juros, chamando investidores para o porto seguro dos EUA. Logo, faltarão divisas nos países em desenvolvimento, como o Brasil, o que deve afetar a cotação interna do dólar estadunidense nesses países. Inflação à vista para nós também”, destaca.
Além disso, é necessário considerar os impactos na balança comercial brasileira, de acordo com o economista, que apesar de ser benéfico para os exportadores, uma valorização do dólar pode encarecer as importações. “Ambas consequências poderiam ter algum impacto inflacionário: ao exportar mais, a oferta interna diminuiria. Ao encarecer as importações, haverá pressão nos custos. Tudo isso se reverteria em mais inflação", diz.