
Desde que a americana Simone Biles chocou o mundo ao desistir de cinco finais da ginástica artística nos Jogos Olímpicos de Tóquio-2020, atletas de diferentes países aram a ter o entendimento de que levar o corpo ao limite em busca de conquistas tem um preço alto. O custo de se tornar um ícone ou subir ao pódio é, muitas vezes, a saúde mental. Eles e elas estão mais conscientes e não buscam a recompensa esportiva a qualquer custo. Referências do Brasil, a nadadora Ana Marcela Cunha, a tenista Beatriz Haddad Maia e a surfista Tatiana Weston-Webb aderem ao movimento de equilíbrio, tomam cuidado com o fator psicológico e tomam até decisões de grande impacto.
Primeira brasileira a alcançar a semifinal de Roland Garros na Era Aberta do tênis, Beatriz Haddad Maia fez mudanças significativas no estafe neste início de temporada. Primeiro, encerrou a parceria de quatro meses com o treinador francês Maxime Tchoutakian. Dias depois, rompeu com Carla di Pierro, a psicóloga do Comitê Olímpico do Brasil (COB) que a acompanhava há uma década.
"Eu e a Bia Haddad decidimos encerar nossa parceria profissional. Agradeço sinceramente pela confiança que depositou em mim durante os últimos 10 anos. Foi um privilégio e uma honra acompanhá-la nos seus desafios e conquistas", escreveu Carla di Pierro, em trecho do comunicado. "Desejo à Bia todo o sucesso em sua carreira e nos desafios que ainda virão nesta temporada. E que ela continue a brilhar em cada o de seu caminho", completou.
Uma das justificativas das mudanças está na cobrança e, claro, nos desempenhos. Bia Haddad entendem ser necessário evoluir em quadra e conquistar resultados melhores. Embora seja a 17ª colocada do ranking feminino e a brasileira mais bem posicionada entre homens e mulheres, a tenista reconhece erros no início de 2025 e fala em enxergar o todo. A paulista de 28 anos caiu na partida de estreia em seis dos sete torneios disputados neste ano.
Para o psicólogo esportivo Paulo Penha, o movimento de Bia Haddad está longe de ser errado. "Quando o atleta está perdendo e não consegue mais desenvolver da mesma forma, conversou com a equipe, tentaram todos os recursos e o trabalho não está fluindo, há uma compreensão e uma recomendação, inclusive, de uma troca, pois alguma coisa ficou estagnada", explica. "Muitas vezes, a renovação pode proporcionar um novo olhar sobre a questão, com uma nova estruturação de um jogo para ser campeão novamente", emenda.
A jogada ensaiada por Bia Haddad é semelhante à da nadadora Ana Marcela Cunha. Em 2023, a medalhista de ouro nos 10km da maratona aquática nos Jogos de Tóquio-2020 rompeu o vínculo de uma década com o técnico Fernando Possenti. Conforme comunicado à época, o objetivo era buscar o equilíbrio da saúde mental em harmonia com as atividades de alta performance. Um dia após dispensar Possenti, a baiana anunciou o início do trabalho com o italiano Fabrizio Antonelli.
Ana Marcela também deu outro o importante ao arrumar as malas e decidir treinar e morar na Itália. Lá se vão um ano e sete meses desde a mudança. Em 2025, a campeã olímpica traça estratégias diferentes. As conversas com o técnico são sobre competir com mais qualidade e não em quantidade. Ou seja, a principal nadadora de águas abertas do país não estará em qualquer disputa. "É um ano um pouco diferente. Até brinco que está todo mundo acostumado a ver a gente chegar lá nas competições e ir sempre bem. Eu estou ando por uma fase de aprendizado, de entender o processo um pouco diferente até pela minha idade (33)", explicou em entrevista ao COB.
"O Fabrizio sentou comigo e falou: 'Você terá Copa do Mundo e outras competições. Nosso maior alvo vai ser o Campeonato Mundial. Você precisa entender e aceitar que você não vai competir tão bem esse ano'. E eu sou uma pessoa que quer competir sempre, quero estar bem. Mas, comecei a entender que esse ano inteiro não seria dessa forma. Estou tranquila, acreditando no processo", detalhou Ana Marcela Cunha.
Primeira brasileira medalhista olímpica do surfe, com a prata em Paris-2024, Tatiana Weston-Webb está fora temporada. Nove dias atrás, decidiu dar uma pausa na rotina intensa de treinos, viagens e disputas para cuidar da saúde mental. Não estava nos planos, afinal, havia recentemente anunciado Adriano de Souza, o Mineirinho, como técnico e traçado o objetivo do título mundial. No entanto, a gaúcha de 28 anos demonstrou sinais de desgaste emocional e físico durante as sessões com a psicóloga. Apesar dos indicativos, não foi uma decisão fácil de ser tomada.
"Quero ser honesta com todos que me acompanham e torcem por mim ao reconhecer que mostrar vulnerabilidade não nos torna menos fortes, pelo contrário, nos torna mais humanos e conectados e também nos possibilita alcançar nosso melhor potencial dentro e fora das competições", ressaltou Tati.
Na visão do psicólogo Paulo Penha, há sinais e como prevenir uma pausa forçada na carreira. "Muitas vezes, a equipe técnica não percebe os indícios, ou percebe e os ignora. Isso se acumula de tal forma, que o atleta chega em uma estafa mental e física, não aguenta mais. Quando o atleta faz essa parada, também há a recomendação de não parar por completo, de continuar fazendo condicionamento físico necessário para manter a performance e depois voltar com os treinos técnicos e conseguir retomar a carreira", analisa.
"Paradas são benéficas, mas se foi feito trabalho entre comissão técnica e psicólogo, pode-se verificar esses indícios e evitar chegar a esse ponto. Dessa forma, o atleta consegue ter uma carreira contínua, equilibrada, com orientações com momento de descansa, lazer, que são tão importantes para cuidar da saúde mental. Esse é o melhor dos mundos ainda", esmiúça.
Tati Weston-Webb não é a primeira surfista do Brasil a dar um tempo nas disputas. Em 2022, Gabriel Medina se afastou dos holofotes para curtir uma "maré mansa" e reencontrar a melhor versão. Dois anos depois, Filipe Toledo, então bicampeão do Circuito Mundial, abdicou do sonho do tri para cuidar de si. "Não me arrependo de dar um o para trás e ser a voz do cuidado com a saúde mental no mundo do surfe, algo que ainda não é muito comum", discursou Filipinho.
No esporte, há quem busque cuidado e quem queira cuidar. Maior medalhista do Brasil em Jogos Olímpicos — dois ouros, três pratas e um bronze —, Rebeca Andrade é uma psicóloga em formação. A ginasta de 26 anos projeta atuar na área após deixar as competições. "Não só do esporte, mas de todos. Dos atletas, das pessoas que não são e nem praticam esporte. Eu tenho essa vontade", destacou ao programa Esporte Espetacular. Uma das inspirações do xodó do país é Aline Wolff, psicóloga do COB e uma das responsáveis pelo equilíbrio e amadurecimento da atleta.