
São Paulo — No que depender de Carlo Ancelotti, a Seleção Brasileira terá a saúde mental como um dos pilares nas últimas quatro partidas das Eliminatórias, nos amistosos e na Copa do Mundo de 2026. Carlo, o pai, foi um dos pioneiros no apoio psicológico aos atletas na agem por Milanello, o badalado Centro de Treinamento do Milan.
Alvo de clubes da Europa, Davide, o filho, não faz parte da comissão técnica neste início de trabalho, mas tinha 18 anos e figurava na base do clube italiano quando o pai dava atenção à alma dos comandados. Encantado com o zelo do pai e do time pela ciência, o herdeiro desistiu da carreira de meia para estudar a cabeça dos jogadores. A busca por conhecimento rendeu uma profecia. "No futuro, todos os jogadores vão ter o seu próprio psicólogo", disse à BBC.
De volta à Seleção, o centroavante Richarlison confirma a tese de Davide. O camisa 9 do Brasil na Copa do Catar, em 2022, gritou por socorro neste ciclo. Rodrygo pediu para não ser convocado nesta Data Fifa alegando saúde mental. Carlo Ancelotti atendeu ao não o chamar para os duelos com Equador, nesta quinta-feira, e Paraguai, no dia 10.
A prova da atenção de Carlo Ancelotti à saúde mental é a manutenção da psicóloga Marisa Santiago. A profissional contratada pela CBF na agem do antecessor Dorival Júnior está preservada na comissão e ajudará a nortear o trabalho do treinador italiano.
Davide era o homem de confiança do pai nos assuntos relativos ao campo da mente. Prestes a seguir carreira solo, ele era sensível às pressões externas e internas sobre os atletas. "No ado, tentamos trazer alguém que os jogadores não soubessem que era psicólogo, para observar e elaborar relatórios. Era mais para a equipe técnica, porque achamos que os treinadores precisam saber mais sobre psicologia", recomendava Davide Ancelotti. "Em Madrid, agora, temos jogadores com os próprios psicólogos. A saúde mental e a psicologia são mais faladas na sociedade hoje em dia, por isso os jogadores mais jovens compreendem-nas melhor", atesta.
Carlo Ancelotti inicia o trabalho em uma Seleção marcada por apagões e traumas na Copa: o 7 x 1 contra a Alemanha na semifinal da Copa de 2014 combinado com uma derrota por 3 x 0 na decisão do terceiro lugar diante da Holanda. A frustração da derrota para a Croácia em 2022, a quatro minutos de avançar às semifinais na prorrogação. A goleada recente de 4 x 1 para a atual campeã, Argentina, em Buenos Aires, pelas Eliminatórias.
Aos 65 anos, Carlo Ancelotti é tão sensível às questões psicológicas quanto o filho. Motivo: justamente uma experiência traumática na Copa do Mundo de 1994. Ele era assistente do técnico italiano Arrigo Sacchi na final contra o Brasil e aprendeu uma dura lição na escolha dos batedores no superlotado Estádio Rose Bowl, em Pasadena: a autoconfiança.
"Não tem nenhuma chance de Franco Baresi e Roberto Baggio errarem as cobranças", imaginou, em 17 de junho de 1994. "Eles não só perderam, como ainda estamos procurando a bola chutada por Baresi. Tudo é psicológico", reconhece Carletto no livro Liderança Tranquila, em um trecho dedicado justamente às questões psicológicas de um time.
O tetra do Brasil e a decepção da Itália levaram Ancelotti a enxergar o futebol além do jogo — e a entrar na mente dos comandados. "O aspecto psicológico é um dos menos explorados no mundo do futebol. Eu me interesso muito em usar a psicologia em benefício de meus atletas. Tinha um psicólogo em minhas comissões técnicas tanto no Chelsea quanto no Milan, mas não no Real Madrid. Um dos motivos de não ser amplamente praticado é a resistência. Os jogadores acham que é muito pessoal, similar a uma ida ao psiquiatra", pondera.
Ancelotti recorda também o sofrimento da Itália na virada contra a Nigéria nas oitavas de final da Copa de 1994. Auxiliar de Arrigo Sacchi, ele comandava um núcleo high-tech da comissão técnica voltado para números, mas, naquele dia, teve de gritar com os liderados. "Não me digam que foram as estatísticas que venceram aquela partida. O ponto-chave foi ter deixado de lado as distrações e se concentrado na seriedade da situação. A psicologia, uma vez mais. Precisamos trabalhar mais nisso e necessitamos de ajuda de profissionais. Os jogadores devem entender que é algo benéfico, não uma crítica", escreve no livro.
Richarlison
De volta à Seleção Brasileira, Richarlison fez gol de placa ao driblar o preconceito na maior crise da vida e da carreira. "Achava que era frescura, achava que eu estava doido. Da minha família mesmo, têm pessoas que acham que quem vai para o psicólogo é louco, doido. Mas eu descobri isso e achei maravilhoso. A melhor coisa, a melhor descoberta que eu tive na minha vida, mesmo", contou, em entrevista à ESPN.
"Acho que a psicóloga, querendo ou não, salvou, me salvou, salvou minha vida, porque... Eu só pensava besteira... No Google mesmo, eu só pesquisava besteira, só queria ver besteira de morte, sei lá… Hoje eu posso falar, procure um psicólogo, você que está precisando de um psicólogo, procure, porque é legal você se abrir assim, você estar conversando com a pessoa."
Seis mantras de Carletto
1 - Não faça “jogos psicológicos”. Concentre-se no que é importante: resultados
2 - Sua ferramenta analítica mais importante são seus olhos e seu cérebro. Fixe-se em sua experiência e não se distraia.
3 - Do mesmo modo, não tenha medo de informações e dados estatísticos — aceite novos métodos e qualquer vantagem que possam lhe oferecer
4 - Aceite dados analíticos, mas, como líder, seu papel é traduzir isso em ideias e então ser o responsável por transmitilas aos seus talentos. O líder tem credibilidade emocional para fazer com que tais ideias frutifiquem no campo de jogo
5 - A psicologia é fundamental. A mentalidade de seus colegas e equipes é que determinará seu sucesso. e confiança às pessoas para que sejam elas mesmas.
6 - Um diálogo claro é vital, principalmente para explicar decisões difíceis.