ingresso no ensino superior

Autodeclarado pardo, estudante é rejeitado em banca de heteroidentificação da UFG

Richard Aires, 19 anos, ou para a Universidade Federal de Goiás (UFG) pelo Sisu, concorrendo pelo sistema de cotas. Após o resultado negativo na avaliação de raça, ele entrou com recurso e, novamente negado, resolveu recorrer à Justiça

Lara Costa*
Marina Rodrigues
postado em 30/03/2025 06:00 / atualizado em 30/03/2025 10:48
Richard recorre à justiça e contratou  advogado para cuidat do caso -  (crédito: Arquivo pessoal)
Richard recorre à justiça e contratou advogado para cuidat do caso - (crédito: Arquivo pessoal)

Aprovado em biotecnologia pelo Sistema de Seleção Unificada (Sisu), Richard Aires de Souza, 19 anos, teve processo de cotas indeferido, ou seja, não aceito pela banca de heteroidentificação da Universidade Federal de Goiás (UFG), que justificou a decisão pelas características de "pele clara" e "cabelo liso". Após o episódio, Richard entrou com recurso on-line contra o resultado, mas foi negado, e decidiu acionar a Justiça contra a instituição. 

Descrevendo as justificativas da banca como vagas, subjetivas e evasivas, o advogado do caso de Richard, Flávio Abreu Filho, conta que a negativa da banca foi feita de forma injustificada, por meio de "frágil motivação": "A negativa inicial foi de que Richard teria cabelos lisos e pele clara, o que, por óbvio, se trata de algo fictício", defende. As aulas tiveram início em 6 de março, as quais o estudante, sem matrícula, não acompanhou.

Flávio acredita que se trata de um "ato istrativo nulo por fundamentação e motivação inidônea", e que, nos documentos apresentados, Richard conseguiu provar suas características raciais que lhe dariam o o às cotas, dentro do que previa o edital. "Por isso, vemos como altas as chances de êxito da demanda judicial, mas ainda pendente decisão liminar quanto ao pedido para inscrição no curso."

Mesmo com as medidas legais, Richard está considerando possibilidades, entre elas, a recusa por parte do juiz e o retorno aos estudos para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). "Quando eu me inscrever no Sisu ano que vem, eu devo colocar que sou uma pessoa branca? Como é isso? Porque pardo eu não sou, segundo eles. Preto, tenho certeza que não sou, e branco também não. Mas, pelo jeito, eu vou ter que colocar isso para ter a chance de entrar sem ser barrado", indigna-se o estudante.

Processo avaliativo

O jovem se inscreveu para as cotas de raça em fevereiro deste ano, durante a segunda fase da matrícula, e compareceu à universidade para ser avaliado na data estabelecida. Na ocasião, segundo Richard, ele encontrou uma mesa com cinco pessoas negras e, como parte do processo, teve o depoimento gravado em vídeo, no qual respondeu de forma afirmativa à pergunta "você confirma que se identifica com uma pessoa parda?". O estudante também solicitou cotas de escolaridade, submetendo-se à comissão responsável, para a qual teve apenas de levar os documentos e a papelada como comprovação. 

Após uma espera de quatro horas na fila, com centenas de pessoas à frente, o jovem foi aprovado pela comissão de escolaridade, mas reprovado na banca de raça. A notícia foi recebida com indignação não só por parte de Richard e da mãe, mas, de acordo com eles, pela equipe de escolaridade, que contava com uma mulher e um auxiliar descritos por ele como brancos.

Diante da discórdia, a mulher foi discutir com a outra banca sobre o resultado, gerando cochicho entre as pessoas, até que, depois da conversa, ela teve de confirmar a reprovação. Toda a situação deixou Richard constrangido: "Foi algo bem esquisito, porque deu para ver que pessoas brancas, que estavam fazendo a etapa final do processo, não me consideravam branco. Elas não estavam concordando com essa decisão, aí chamaram outra pessoa e ficaram ali meio que cochichando entre elas", lamenta.

Posicionamento

A banca de heteroidentificação analisa o fenótipo do candidato sem considerar ascendência ou outros documentos. O procedimento é filmado para garantir transparência e permitir recursos istrativos. Em nota, a UFG relata que a Comissão de Heteroidentificação se baseia no edital e na Instrução Normativa do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos (IN MGI) 23/2023. Nesse sentido, "o procedimento é realizado por pessoas de reputação ilibada, que participaram de oficinas ou cursos sobre a temática da promoção da igualdade racial e do enfrentamento ao racismo e preferencialmente experientes na temática."

Além disso, a universidade ressalta que o artigo 14 da IN 23/2023 preconiza o "respeito à dignidade humana, a garantia de padronização e de igualdade de tratamento entre as pessoas submetidas ao procedimento de heteroidentificação promovido no mesmo certame, bem como a garantia da publicidade e do controle social do procedimento de heteroidentificação, resguardadas as hipóteses de sigilo previstas na instrução normativa."

Em relação a laudos, a norma é expressa em dizer que "não será itida, em nenhuma hipótese, a prova baseada em ancestralidade". Outro ponto destacado é que a Comissão de Heteroidentificação utiliza exclusivamente o critério fenotípico para aferição da condição declarada pela pessoa no certame. Ou seja, após o candidato ar pela banca inicial e pela banca recursal, e o recurso for indeferido, "istrativamente não há mais possibilidade de recurso."

*Estagiária sob a supervisão de Marina Rodrigues

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