Liberdade religiosa

Conheça a primeira estudante da UFSC a se formar vestida de branco

Cynthia Luiza Ribeiro do Amaral se graduou em serviço social e trocou a tradicional beca preta porque a pelo preceito, processo de formação espiritual do candomblé

Correio Braziliense
postado em 14/04/2024 06:00
Cynthia do Amaral é a primeira estudante a se formar na UFSC vestindo beca branca -  (crédito: Arquivo pessoal)
Cynthia do Amaral é a primeira estudante a se formar na UFSC vestindo beca branca - (crédito: Arquivo pessoal)

Por Júlia Giusti* — Cynthia Luiza Ribeiro do Amaral é natural do Rio de Janeiro e mora em Florianópolis há 13 anos. Em 4 de abril, aos 41 anos, se formou no curso de serviço social na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Na cerimônia, um fato chamou a atenção: diferente dos colegas, que usavam beca preta, ela vestia a peça na cor branca. Como parte da comunidade do candomblé, agora ela a por um processo de formação espiritual, chamado preceito, no qual só pode se vestir de branco durante um ano. Esse foi o primeiro caso em que um estudante da universidade se formou com beca branca por motivos religiosos.

Cynthia conta que o dia em que defendeu o trabalho de conclusão de curso (TCC) coincidiu com o início de sua formação espiritual no candomblé. No período de um ano de preceito, são adotadas uma série de padrões de comportamento e vestimenta. Entre os hábitos, ela cita que não pode ir à praia, frequentar multidões ou vestir roupas pretas ou coloridas. Além do uso exclusivo do branco, ela deve manter a cabeça coberta. De acordo com ela, a simbologia dessa cor se relaciona tanto com o respeito ao seu orixá, divindade de religiões de matriz africana, quanto com a proteção e a manutenção de boas energias. No caso dela, seu orixá, Oxumarê, é associado ao movimento e à transformação.

"O branco é uma cor que protege, ele tem a característica de lhe blindar de energias adversas. Temos que vestir só branco porque esse período de um ano de preceito, dentro da nossa comunidade, é como um novo nascimento. Assim, tudo de pano que entra em contato comigo deve ser branco, desde minhas roupas até os lençóis e toalhas que uso", descreve.

Cynthia levou a questão à UFSC para poder cumprir com seu preceito. Ela diz que conversou com a vice-reitora da universidade, Joana dos os, que atendeu "prontamente" ao seu pedido e convocou uma reunião em conjunto com o setor responsável pelas formaturas, o setor que trata das relações de diversidade na universidade e a reitoria de graduação.

"Não tive nenhum tipo de embate em relação a isso, eu tive todo o acolhimento, a atenção e o incentivo por parte da UFSC para que pudesse vestir beca branca no dia da formatura", expõe. Quando soube que seria a primeira a se formar vestindo branco na universidade por preceito, ficou surpresa, mas sabia que seria bem acolhida, já que vê que essa gestão "possui compromisso com o enfrentamento do racismo e outras formas de opressão".

O direito à liberdade religiosa está previsto na Constituição, o que também envolve o direito de ir e vir sem sofrer preconceitos por crenças e escolhas pessoais. Além disso, uma resolução do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) de 2022 garante a separação entre as leis do Estado e preceitos religiosos, determinando mecanismos para combater o racismo e a discriminação em todas as esferas da vida pública e privada.

O acolhimento por parte da universidade também foi importante porque Cynthia havia acabado de sofrer racismo religioso antes da reunião, o que, inclusive, levou ao registro de um boletim de ocorrência e à abertura de uma queixa no Ministério Público (MP). Além do episódio, ela relata que já sofreu preconceito por suas crenças, principalmente, em redes sociais.

Para Cynthia, o momento da cerimônia de formatura foi muito marcante, pois acredita que o candomblé "é mais do que uma religião, é uma forma de enxergar o mundo, de se comprometer, com sua ética pessoal e para com o mundo".

Para ela, vestir branco na colação de grau também foi uma forma de dar visibilidade para que as pessoas busquem seus direitos: "Vejo isso diante da perspectiva da garantia de direitos, para que todos possam exercer a sua fé, pois há leis que garantem esse direito". Ela completa dizendo que "só recebi acolhimento e coisas boas dos meus colegas, me senti representando algo que era importante para mim e atendendo a vontade do meu orixá".

*Estagiária sob a supervisão de Ana Sá

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