Servidora da Secretaria de Saúde do Distrito Federal (SES-DF) e biomédica acupunturista, Ariane dos Santos Vicentim, 39 anos, trabalhou durante anos em jornada dupla, com mais de 60 horas semanais. "Não caberia um filho ali naquele momento", lembra. Após se casar e decidir ser mãe, deixou o cargo em empresa particular, que ocupava há nove anos, mantendo a carga horária reduzida de 20 horas na rede pública, onde tinha contato com radiação ionizante — área insalubre para gestantes.
Assim que comunicou a gravidez, foi transferida para o teletrabalho. Na época, Ariane vivia com Kalyne, enteada e filha do coração, que hoje tem 23 anos. A nova bebê, Clarice, hoje com 9 anos, nasceu prematura e com alergia à proteína do leite de vaca. Por estar no serviço público, conseguiu unir licença, abonos, férias e licença . "Clarice ficou na UTI por um tempo, depois ou por varias fases. Fiquei quase 10 meses em casa acompanhando o desenvolvimento dela. Não tenho do que reclamar. Mas sei que essa não é a realidade das minhas amigas (no setor privado), que com quatro meses tinham que voltar ao trabalho."
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Anos depois, Ariane teve Elis, sua filha caçula de 3 anos, e enfrentou mais uma gestação de risco, tendo que tomar anticoagulante durante toda o período. A bebê nasceu bem, mas apresentou atraso no desenvolvimento motor, exigindo acompanhamento médico. "Eu já estava começando a empreender na área da acupuntura, mas não consegui istrar tudo. Fiquei dois anos só na Secretaria de Saúde, levando ela nas terapias, na escola precoce, no que precisava."
Após a alta da neuropediatra, Ariane decidiu retomar seu sonho. Há um ano, voltou a empreender e hoje concilia os atendimentos com o serviço público. "Tive que colocar as meninas no integral. Fiquei com peso na consciência, como se estivesse terceirizando a minha função de mãe". Ao mesmo tempo, ela diz ter se sentido feliz por poder se dedicar ao que ama: "Trabalhei muito, cheguei a fazer atendimento das sete da manhã às sete da noite e voltei para casa muito feliz, porque, apesar do cansaço, era o que eu queria."
A trajetória de Ariane, mesmo com rede de apoio do marido e dos pais, reflete a de milhares de mulheres que conciliam o trabalho de cuidado em casa com o desejo ou a necessidade de se desenvolver profissionalmente, deixando-as mais expostas à informalidade e à baixa remuneração. Segundo Margareth Goldenberg, gestora-executiva do Movimento Mulher 360, voltado para o empoderamento econômico feminino, esse fenômeno é chamado "penalidade materna". "Estudos indicam que ser mãe reduz as chances de inserção e permanência no mercado de trabalho. A penalidade é mais intensa no primeiro ano após o nascimento da criança, chegando a 27%, e persiste por até 10 anos", explica a especialista.
Rede de apoio 3q5i2n
Na construção civil, Alvalina Maria de Oliveira, 42 anos, lida com os desafios da maternidade em meio à rotina intensa do canteiro de obras. Moradora do Itapoã, ela começou a carreira após se mudar do interior de Goiás e concluir o curso técnico em segurança do trabalho em Brasília. O estágio na área, em 2007, foi seu primeiro contato com a prática, e também o início da carreira na Conbral, empresa de construção onde trabalha até hoje.
"Quando cheguei à capital, eu trabalhava como balconista numa panificadora. Tive a sorte de ser indicada para o estágio na minha área, e logo surgiu uma vaga, então agarrei a oportunidade", lembra. No momento, Alvalina é responsável por treinamentos de segurança, acompanhamento de exames ocupacionais, distribuição e fiscalização do uso de equipamentos de proteção individual (EPIs), e análise e permissão de trabalho em áreas de risco. "A gente tem que andar na frente, prevenir acidentes, fazer com que todos executem suas funções com segurança."
Mãe de Laura, 8 anos, e de Miguel, com 10 meses, ela conta que a ausência de creches públicas no bairro onde mora dificultou tanto o início de sua "vida materna" quanto o retorno ao trabalho. "Quando a Laura nasceu, não tinha berçário no Itapoã. Com cinco meses, tive que voltar a trabalhar e, para minha sorte, pude deixar minha filha com a minha sobrinha. Só com dois anos consegui vaga numa escolinha", relata. Na segunda gestação, o desafio se repetiu, mas ela pôde contar com uma creche particular na região que ou a aceitar bebês a partir dos quatro meses.
Durante a licença-maternidade de Miguel, a técnica pôde somar os quatro meses previstos em lei com férias e um atestado de adaptação alimentar, ficando quase sete meses em casa. Atualmente, a jornada de Alvalina começa às 6h da manhã, quando leva o filho mais novo para a creche. "Meu esposo fica esperando a van buscar a Laura. À tarde, eu volto do trabalho correndo, porque a van traz a Laura de volta, e ele busca o Miguel. É corrido, mas está dando certo, graças a Deus", detalha.
Particularidades 5t5w2u
Mais de 11 milhões de mulheres deixaram o mercado de trabalho em 2022 para cuidar dos filhos e da casa, segundo o Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) da Universidade de São Paulo (USP). Dessas, 6,8 milhões são mulheres negras e 4,3 milhões, brancas. A maioria desejava continuar empregada, mas enfrentou uma realidade marcada pela falta de creches íveis, ausência de políticas públicas de apoio e pouca divisão do cuidado dentro de casa.
Luciana Laura Pereira Marciel, 38, faz parte dessa estatística. Psicóloga e mãe solo de Gael, de 4 anos, ela engravidou no início da pandemia. "Eu e o pai do Gael decidimos que, por não termos rede de apoio, eu sairia do trabalho. Na época, pareceu muito sensato", conta. Mas a escolha trouxe desconfortos: "Até então, eu nunca tinha sido dependente financeiramente de alguém. Desde os 18 anos eu trabalho, sempre cuidei da minha vida."
Em 2022, ela tentou retomar a vida profissional e começou a atender como psicóloga, profissão para a qual se formou em 2016. "Com a facilidade de atender on-line, eu pensei: 'Agora é a hora'. Mas não consegui levar adiante. Era tudo junto: casa, filho, casamento, profissão". No ano seguinte, Luciana decidiu pausar os atendimentos. "Até então, eu não tinha um olhar para mim. Não fazia atividade física nem nada do que eu gostava", lembra.
Em 2024, após se separar, recomeçou praticamente do zero. "Foi mais uma etapa bem difícil. Tive que conseguir um lugar para morar, me reerguer profissionalmente. Eu não tinha muitos pacientes para me sustentar e sustentar o Gael". Hoje, ela vive com o filho, com quem a a semana. Aos fins de semana, a criança fica com o pai. "Tem um apoio financeiro do pai dele, mas, ainda assim, é difícil, porque eu fico com a maior carga emocional. Lido com as birras, com as frustrações dele. Agora, tenho que lidar com tudo: maternidade, trabalho e ser mãe solo. Não é fácil."
Para ela, o maior desafio é não poder adoecer. "Se eu fico doente, como vou cuidar do Gael? Como vou cuidar dos meus pacientes? E quando ele fica doente, nem sempre o pai pode pegar. Já aconteceu de ele não poder ir para a escola e eu ter que desmarcar tudo", compartilha.
Apesar da sobrecarga e da exaustão, ela ainda se permite sonhar. "Eu tenho muita vontade de fazer um mestrado fora do país na área da perinatalidade. Ainda estou nesse processo de pensar como seria isso tendo um filho, que é minha responsabilidade cuidar. Mas meu futuro é esse, um projeto de pesquisa voltado para mães que gestam."
Potência 251c5y
Margareth Goldenberg destaca que a maternidade ainda é tratada como obstáculo no mercado, quando deveria ser vista como impulso. "Ao assumirem papéis parentais, os colaboradores desenvolvem habilidades de gestão do tempo, resolução de problemas, empatia e liderança", afirma. No enfrentamento dessas barreiras, em parceria com a Coalizão CoPai, o Movimento Mulher 360 defende políticas corporativas e públicas inclusivas, como ampliação da licença-paternidade obrigatória e remunerada — atualmente, de apenas cinco dias — e a transformação da cultura organizacional para que o cuidado seja responsabilidade compartilhada.
Visando acelerar essa transformação, ela aponta soluções sistêmicas. "Revisar práticas de seleção, corrigir desigualdades salariais, adotar licenças parentais estendidas, flexibilizar arranjos de trabalho, investir no desenvolvimento de talentos femininos e engajar os homens como aliados. Só assim vamos avançar na equidade de gênero, contemplando todas as mulheres — mães, negras, com deficiência, lésbicas, jovens e seniores."
Para Denise Garcia, diretora da Associação de Mulheres, Mães e Trabalhadoras (Matria), além de políticas de inclusão, é preciso garantir a permanência das mães no trabalho. "Seria imprescindível começar pela criação de vagas destinadas a esse público, inclusive, a partir de fomento, subsídio governamental. Mais que uma política de inclusão, uma política de manutenção das mulheres mães no mercado formal, o cumprimento da função social das empresas."