/* 1rem = 16px, 0.625rem = 10px, 0.5rem = 8px, 0.25rem = 4px, 0.125rem = 2px, 0.0625rem = 1px */ :root { --cor: #073267; --fonte: "Roboto", sans-serif; --menu: 12rem; /* Tamanho Menu */ } @media screen and (min-width: 600px){ .site{ width: 50%; margin-left: 25%; } .logo{ width: 50%; } .hamburger{ display: none; } } @media screen and (max-width: 600px){ .logo{ width: 100%; } } p { text-align: justify; } .logo { display: flex; position: absolute; /* Tem logo que fica melhor sem position absolute*/ align-items: center; justify-content: center; } .hamburger { font-size: 1.5rem; padding-left: 0.5rem; z-index: 2; } .sidebar { padding: 10px; margin: 0; z-index: 2; } .sidebar>li { list-style: none; margin-bottom: 10px; z-index: 2; } .sidebar a { text-decoration: none; color: #fff; z-index: 2; } .close-sidebar { font-size: 1.625em; padding-left: 5px; height: 2rem; z-index: 3; padding-top: 2px; } #sidebar1 { width: var(--menu); background: var(--cor); color: #fff; } #sidebar1 amp-img { width: var(--menu); height: 2rem; position: absolute; top: 5px; z-index: -1; } .fonte { font-family: var(--fonte); } .header { display: flex; background: var(--cor); color: #fff; align-items: center; height: 3.4rem; } .noticia { margin: 0.5rem; } .assunto { text-decoration: none; color: var(--cor); text-transform: uppercase; font-size: 1rem; font-weight: 800; display: block; } .titulo { color: #333; } .autor { color: var(--cor); font-weight: 600; } .chamada { color: #333; font-weight: 600; font-size: 1.2rem; line-height: 1.3; } .texto { line-height: 1.3; } .galeria {} .retranca {} .share { display: flex; justify-content: space-around; padding-bottom: 0.625rem; padding-top: 0.625rem; } .tags { display: flex; flex-wrap: wrap; flex-direction: row; text-decoration: none; } .tags ul { display: flex; flex-wrap: wrap; list-style-type: disc; margin-block-start: 0.5rem; margin-block-end: 0.5rem; margin-inline-start: 0px; margin-inline-end: 0px; padding-inline-start: 0px; flex-direction: row; } .tags ul li { display: flex; flex-wrap: wrap; flex-direction: row; padding-inline-end: 2px; padding-bottom: 3px; padding-top: 3px; } .tags ul li a { color: var(--cor); text-decoration: none; } .tags ul li a:visited { color: var(--cor); } .citacao {} /* Botões de compartilhamento arrendodados com a cor padrão do site */ amp-social-share.rounded { border-radius: 50%; background-size: 60%; color: #fff; background-color: var(--cor); } --> { "@type": "NewsArticle", "mainEntityOfPage": "/mundo/2024/08/6928643-a-medica-brasileira-que-lutou-por-negros-nas-universidades-muito-antes-da-lei-de-cotas.html", "name": "A médica brasileira que lutou por negros nas universidades muito antes da Lei de Cotas", "headline": "A médica brasileira que lutou por negros nas universidades muito antes da Lei de Cotas", "alternateName": "HISTÓRIA E SOCIEDADE", "alternativeHeadline": "HISTÓRIA E SOCIEDADE", "datePublished": "2024-08-27-0311:03:00-10800", "articleBody": "<p class="texto">"Dizemos com muito orgulho e responsabilidade: n&oacute;s somos brasileiros vivos. N&atilde;o queremos mais, queremos o igual", discursou a m&eacute;dica Iracema de Almeida (1921-2004) na C&acirc;mara de Vereadores de <a href="https://correiobraziliense-br.parananoticias.info/portuguese/topics/c2dwqdkxj8yt?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">S&atilde;o Paulo</a>, em 11 de outubro de 1976.</p> <p class="texto">Ela falava como presidente do Grupo de Trabalho de Profissionais Liberais e <a href="https://correiobraziliense-br.parananoticias.info/portuguese/brasil-61157578?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">Universit&aacute;rios Negros</a> (GTPLUN), que ajudou a fundar em 1972, com o objetivo de promover a melhoria econ&ocirc;mica da popula&ccedil;&atilde;o negra atrav&eacute;s da profissionaliza&ccedil;&atilde;o.</p> <p class="texto">Isso em plena <a href="https://correiobraziliense-br.parananoticias.info/portuguese/articles/cx0z199k8n3o?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">ditadura militar</a>, quando a ideia de que o Brasil seria uma "<a href="https://correiobraziliense-br.parananoticias.info/portuguese/brasil-52922015?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">democracia racial</a>" era parte do discurso oficial.</p> <p class="texto">"Minha av&oacute; era uma pessoa muito movida pela for&ccedil;a do &oacute;dio", lembra a advogada Raphaella Reis, uma das netas de Iracema, em entrevista &agrave; BBC News Brasil.</p> <p class="texto">"Ela contava que, certa vez, ela precisou ir a um &oacute;rg&atilde;o p&uacute;blico ajudar um amigo de <a href="https://correiobraziliense-br.parananoticias.info/portuguese/internacional-63557515?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">Gana</a> que estava vindo para o Brasil e ela precisava informar onde ele iria ficar", conta.</p> <p class="texto">"Ela chegou ao pr&eacute;dio, que ficava no centro, e n&atilde;o deixaram ela entrar, dizendo que aquela n&atilde;o era a porta dela, que ela precisaria entrar pela porta de servi&ccedil;o. E ela respondeu: 'Eu n&atilde;o vou entrar pela porta de servi&ccedil;o, porque n&atilde;o sou sua empregada.'"</p> <p class="texto">Raphaella conta que sua av&oacute; ent&atilde;o explicou que era m&eacute;dica e que estava ali para realizar um protocolo e registrar seu endere&ccedil;o para o amigo que estava vindo do exterior. Ela teria recebido como resposta que "gente como ela" n&atilde;o tinha casa em endere&ccedil;os como aquele.</p> <p class="texto">Iracema teria ent&atilde;o olhado em volta e visto que no local havia apenas pessoas brancas &ndash; a &uacute;nica pessoa negra presente era uma faxineira fazendo a limpeza.</p> <p class="texto">No dia seguinte, a m&eacute;dica teria mandado sua faxineira (uma mulher branca) para realizar a tarefa. E a faxineira teria sido recebida no edif&iacute;cio sem maiores problemas.</p> <p class="texto">"Ent&atilde;o ela juntou um pessoal para oferecer forma&ccedil;&otilde;es para pessoas negras, para lotar &oacute;rg&atilde;os p&uacute;blicos de servidores negros. Ela queria lotar escolas de professores negros, encher as faculdades de S&atilde;o Paulo de gente negra, como professores e como estudantes", diz Raphaella, sobre o que teria motivado Iracema a se unir ao GTPLUN.</p> <figure><img src="https://ichef.bbci.co.uk/news/raw/sprodpb/892c/live/3364ba20-63e3-11ef-b43e-6916dcba5cbf.png" alt="Integrantes do Grupo de Trabalho de Profissionais Liberais e Universit&aacute;rios Negros, GTPLUN" width="565" height="663" /><footer>Arquivo pessoal/Raphaella Reis</footer> <figcaption>Iracema foi presidente do GTPLUN, grupo criado em 1972, com o objetivo de promover a melhoria econ&ocirc;mica da popula&ccedil;&atilde;o negra atrav&eacute;s da profissionaliza&ccedil;&atilde;o</figcaption> </figure> <p class="texto">"Iracema de Almeida, <em>mutatis mutandis</em>, era para a gera&ccedil;&atilde;o negra do p&oacute;s-guerra o que &eacute; hoje o <a href="https://correiobraziliense-br.parananoticias.info/portuguese/brasil-55394062?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">Frei David</a> para a gera&ccedil;&atilde;o dos que lutam para ingressar nas universidades", escreveu o professor e poeta Eduardo de Oliveira (1926-2012) em sua enciclop&eacute;dia <em>Quem &eacute; quem na negritude brasileira</em> (CNAB, 1998).</p> <p class="texto">No verbete dedicado a Iracema, Oliveira compara a m&eacute;dica ao religioso franciscano fundador da Educafro, organiza&ccedil;&atilde;o que desde 1993 j&aacute; ajudou mais de 100 mil jovens negros e de baixa renda a ter o ao ensino superior atrav&eacute;s de seus cursinhos populares.</p> <p class="texto">"N&atilde;o tive a oportunidade de conhec&ecirc;-la pessoalmente, mas a conhe&ccedil;o como uma irm&atilde; da causa", diz Frei David.</p> <p class="texto">"A luta dela pela educa&ccedil;&atilde;o foi determinante, foi estrat&eacute;gica e gerou resultados. Muitos negros que foram beneficiados por ela naquele per&iacute;odo ajudaram a construir um clima mais prop&iacute;cio para mostrar que, dando oportunidade, o negro d&aacute; o pulo da vit&oacute;ria."</p> <p class="texto">Mas o fundador da Educafro n&atilde;o &eacute; o &uacute;nico que n&atilde;o teve a oportunidade de conhecer Iracema de Almeida.</p> <p class="texto">Apesar de ter sido uma das primeiras mulheres negras formadas em Medicina no Brasil, de ter colocado em pr&aacute;tica o lema "uma sobe e puxa a outra" antes mesmo dele existir, e de ter sido pioneira no estudo da <a href="https://correiobraziliense-br.parananoticias.info/portuguese/articles/c3g25e0w4z6o?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">anemia falciforme</a> no Brasil (doen&ccedil;a gen&eacute;tica e heredit&aacute;ria mais frequente na popula&ccedil;&atilde;o negra), Iracema de Almeida &eacute; hoje pouco conhecida do p&uacute;blico em geral e at&eacute; mesmo dentro do movimento negro brasileiro.</p> <p class="texto">Conhe&ccedil;a a hist&oacute;ria dessa pioneira na luta pela profissionaliza&ccedil;&atilde;o do negro no Brasil e por que sua pol&ecirc;mica afilia&ccedil;&atilde;o pol&iacute;tica pode ter contribu&iacute;do para seu apagamento hist&oacute;rico.</p> <ul> <li><a href="https://correiobraziliense-br.parananoticias.info/portuguese/geral-54082443?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">'Meu pai foi um dos &uacute;nicos pretos na escola de Medicina; 32 anos depois, minha formatura foi igual'</a></li> <li><a href="https://correiobraziliense-br.parananoticias.info/portuguese/brasil-55394062?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">Os padres alvo de ataques racistas dos pr&oacute;prios fi&eacute;is no Brasil</a></li> <li><a href="https://correiobraziliense-br.parananoticias.info/portuguese/brasil-61157578?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">Enem mais negro: por que n&uacute;mero de candidatos pretos e pardos cresceu ao longo dos anos</a></li> </ul> <h2>Mulher negra com duas gradua&ccedil;&otilde;es na d&eacute;cada de 1950</h2> <p class="texto">Iracema de Almeida nasceu em 31 de agosto de 1921, conforme registra seu diploma da Escola Paulista de Medicina (EPM, hoje ligada &agrave; Universidade Federal de S&atilde;o Paulo), numa fam&iacute;lia paulistana negra de classe m&eacute;dia.</p> <p class="texto">Isso era algo raro num pa&iacute;s que havia <a href="https://correiobraziliense-br.parananoticias.info/portuguese/brasil-44107760?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">abolido a escravid&atilde;o</a> apenas 33 anos antes (em 1888) e onde, at&eacute; pelo menos os anos 1960, mais da metade da popula&ccedil;&atilde;o negra era analfabeta.</p> <p class="texto"><em>(No gr&aacute;fico abaixo, clique nos grupos populacionais para selecionar quais linhas ficam vis&iacute;veis. Assim &eacute; poss&iacute;vel observar cada linha de forma individualizada.)</em></p> <p class="texto"><iframe style="width: 100%;" title="Interactive or visual content" src="https://flo.uri.sh/visualisation/19087296/embed" width="700" height="575" frameborder="0" scrolling="no"></iframe></p> <p class="texto">Jos&eacute; Correia Leite, um dos principais jornalistas da imprensa negra paulista no in&iacute;cio do s&eacute;culo 20, registrou a condi&ccedil;&atilde;o confort&aacute;vel da fam&iacute;lia de Iracema em um trecho do seu livro de mem&oacute;rias <em>E disse o velho militante Jos&eacute; Correia Leite </em>(Ed. Noovha Am&eacute;rica, 2013).</p> <p class="texto">"Chegando &agrave; casa de uma fam&iacute;lia negra, eu vi uma coisa que fazia muito tempo n&atilde;o via mais nas fam&iacute;lias de classe m&eacute;dia: um sarau musical bonito (...) Naquela visita, depois eu vim a saber que n&oacute;s est&aacute;vamos na casa dos pais da mo&ccedil;a que se tornou depois conhecida, a Dra. Iracema de Almeida", lembrou Leite, sobre acontecimentos do ano de 1947.</p> <p class="texto">A pr&oacute;pria Iracema atribu&iacute;a a condi&ccedil;&atilde;o favor&aacute;vel de sua fam&iacute;lia &agrave; profissionaliza&ccedil;&atilde;o, mas observava que a vida de um negro de classe m&eacute;dia naquela &eacute;poca tamb&eacute;m n&atilde;o era f&aacute;cil.</p> <p class="texto">"Minha av&oacute; por parte de pai era lavadeira e por parte de m&atilde;e era cozinheira e a partir da&iacute; todos foram profissionalizados: chapeleira, costureira, meu av&ocirc;, tintureiro, ent&atilde;o n&oacute;s estivemos num meio assim com um pouco mais de conhecimento", disse a m&eacute;dica em entrevista publicada em 1980 no peri&oacute;dico da imprensa negra Jornegro.</p> <p class="texto">"A minha vida tamb&eacute;m n&atilde;o foi f&aacute;cil, n&atilde;o venham falar que minha vida foi f&aacute;cil, porque meu estado emocional foi pior do que se vivesse no meio do negro pobre. No meio dos negros n&oacute;s n&atilde;o ter&iacute;amos o dia todo a agress&atilde;o que senti e que vivia num meio que n&atilde;o me aceitava e que a toda hora me lembrava que eu estava ali e que n&atilde;o era aquele meu lugar."</p> <p class="texto">Entre os lugares incomuns para mulheres negras na S&atilde;o Paulo das d&eacute;cadas de 1940 e 1950, estava o ensino superior.</p> <p class="texto">Basta lembrar que apenas a partir dos anos 2000 o percentual de mulheres negras com forma&ccedil;&atilde;o universit&aacute;ria superou os 2% no Brasil &ndash; em 2022, esse patamar era de 11% considerando a popula&ccedil;&atilde;o com 25 anos ou mais, acima dos homens negros (7%), mas abaixo de homens e mulheres brancas (22% e 18%, respectivamente), segundo o IBGE.</p> <p class="texto"><iframe style="width: 100%;" title="Interactive or visual content" src="https://flo.uri.sh/visualisation/19087955/embed" width="700" height="575" frameborder="0" scrolling="no"></iframe></p> <p class="texto">Iracema teve n&atilde;o s&oacute; uma, mas duas forma&ccedil;&otilde;es de n&iacute;vel superior.</p> <p class="texto">Primeiro, diplomou-se em piano pelo Conservat&oacute;rio Dram&aacute;tico e Musical de S&atilde;o Paulo, em 1941. Depois, cursou medicina na EPM, formando-se em 1951.</p> <p class="texto">"Ela decide ser m&eacute;dica porque, no contexto onde ela estava, n&atilde;o tinha atendimento, era na base do ch&aacute;zinho. E mesmo que tivesse ali um consult&oacute;rio, um hospital, pessoas como ela e a fam&iacute;lia dela n&atilde;o eram atendidas", diz Raphaella.</p> <figure><img src="https://ichef.bbci.co.uk/news/raw/sprodpb/4486/live/35ac0020-63e5-11ef-b43e-6916dcba5cbf.png" alt="Iracema de Almeida posando com um estetosc&oacute;pio e vestindo roupas brancas em fotografia publicada em reportagem sobre ela na revista Realidade, em 1969" width="408" height="635" /><footer>Biblioteca Nacional/Acervo Realidade</footer> <figcaption>Iracema se formou pela Escola Paulista de Medicina em 1951, numa &eacute;poca em que era muito incomum mulheres negras terem o ao ensino superior no Brasil</figcaption> </figure> <p class="texto">"Ela se especializou em cardiologia, mas depois viu uma necessidade muito maior, onde ela estava &ndash; ela morou na Zona Leste de S&atilde;o Paulo a vida inteira &ndash; de ginecologia e obstetr&iacute;cia. E foi a&iacute; que ela fez o nome dela."</p> <p class="texto">Estabelecida na Vila Prudente, Iracema mantinha no bairro dois consult&oacute;rios, um em que atendia clientes pagantes, e outro "em que atendia, gratuitamente, a popula&ccedil;&atilde;o carente da redondeza, de quaisquer matizes", registrou Oliveira em sua enciclop&eacute;dia da negritude.</p> <p class="texto">"Ela n&atilde;o tinha s&oacute; o consult&oacute;rio gratuito, ela entrava nas favelas, com o dinheiro dela pagando rem&eacute;dio, para fazer consultas. E ela dava prefer&ecirc;ncia absoluta ao atendimento de mulheres", acrescenta a neta de Iracema.</p> <h2>GTPLUN</h2> <p class="texto">Em outubro de 1972, <a href="https://correiobraziliense-br.parananoticias.info/portuguese/brasil-63746502?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">Antonio Leite</a> &ndash; um mineiro que completou seus estudos j&aacute; adulto, e com isso ascendeu na carreira p&uacute;blica, posteriormente se tornando empres&aacute;rio &ndash; teve a ideia de criar uma entidade que lutasse pelos direitos da popula&ccedil;&atilde;o negra. Chamou dois amigos para a empreitada.</p> <p class="texto">Faltava algu&eacute;m com mais experi&ecirc;ncia na quest&atilde;o racial, da&iacute; veio o convite para Iracema de Almeida, que j&aacute; vinha h&aacute; alguns anos promovendo palestras e dando orienta&ccedil;&otilde;es "procurando levar uma mensagem de autodetermina&ccedil;&atilde;o e desenvolvimento da comunidade carente, sobretudo dos jovens negros", escreve o historiador Petr&ocirc;nio Domingues, professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e autor de <a href="https://revista.arquivonacional.gov.br/index.php/revistaacervo/article/view/1526/1440">artigo sobre o GTPLUN</a>.</p> <p class="texto">"O GTPLUN surge nos anos 1970 como um grupo de profissionais liberais e universit&aacute;rios negros que visava dar coes&atilde;o social e pol&iacute;tica para uma pequena, mas significativa, classe m&eacute;dia negra em S&atilde;o Paulo", diz o historiador Rafael Petry Trapp, professor da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e autor de <a href="https://www.revistas.uneb.br/index.php/seconba/article/view/5476/pdf">outro estudo sobre o grupo</a>, em entrevista &agrave; BBC News Brasil.</p> <figure><img src="https://ichef.bbci.co.uk/news/raw/sprodpb/6aef/live/dfefb030-63e6-11ef-b970-9f202720b57a.png" alt="Adalberto Camargo, Teodosina Ribeiro, Grande Otelo, Iracema de Almeida, Eduardo de Oliveira e Adhemar Ferreira da Silva" width="564" height="408" /><footer>Reprodu&ccedil;&atilde;o</footer> <figcaption>Os deputados Adalberto Camargo e Theodosina Ribeiro, o ator Grande Otelo, a m&eacute;dica Iracema de Almeida, o poeta Eduardo de Oliveira e o atleta Adhemar Ferreira da Silva: parte de uma min&uacute;scula 'elite negra' no Brasil dos anos 1970</figcaption> </figure> <p class="texto">Domingues observa que, no entendimento do GTPLUN, a escolariza&ccedil;&atilde;o, e especialmente a instru&ccedil;&atilde;o formal, constitu&iacute;a o grande mecanismo de supera&ccedil;&atilde;o para os negros brasileiros.</p> <p class="texto">Assim, entre 1973 e 1978, o grupo ofereceu diversas forma&ccedil;&otilde;es, como cursos de datilografia, de auxiliar de enfermagem e treinamento para futuros <em>office boys</em>, caixas e escreventes.</p> <p class="texto">Como presidente do GTPLUN, Iracema tamb&eacute;m usava sua influ&ecirc;ncia para criar rela&ccedil;&otilde;es com os governos municipal e estadual de S&atilde;o Paulo, para desenvolver mecanismos de assist&ecirc;ncia para as comunidades negras de trabalhadores e de pessoas de baixa renda.</p> <p class="texto">"Para a doutora Iracema, a quest&atilde;o era que os negros n&atilde;o estavam em posi&ccedil;&otilde;es de poder", diz a historiadora Cassie Ossie, professora da Bucknell University, que estudou a m&eacute;dica brasileira em um dos cap&iacute;tulos de sua <a href="https://static1.squarespace.com/static/65308c0825f39b7729c8c4d3/t/65ce9aef37910c52786c0d5f/1708038895317/Osei_Another+Urban_Preview.pdf">disserta&ccedil;&atilde;o de doutorado</a>.</p> <p class="texto">"Ent&atilde;o ela, como uma m&eacute;dica, algu&eacute;m que tinha um status de privil&eacute;gio de classe, tentou usar seus recursos financeiros, seus recursos pol&iacute;ticos e relacionamentos para criar um ambiente para a constru&ccedil;&atilde;o de uma base de poder para as pessoas negras em S&atilde;o Paulo."</p> <p class="texto">Ossie cita como exemplos desse uso de recursos o fato de Iracema ter ajudado o jornalista Hamilton Cardoso (1953-1999), importante ativista do movimento negro, a pagar a matr&iacute;cula da faculdade &mdash; conforme relatado pelo pr&oacute;prio Cardoso <a href="https://www.geledes.org.br/hamilton-cardoso/">em um texto</a>.</p> <p class="texto">A m&eacute;dica tamb&eacute;m era propriet&aacute;ria da que era considerada a mais completa biblioteca sobre &Aacute;frica da S&atilde;o Paulo dos anos 1970, que serviu de base de estudos para muitas ativistas e intelectuais negros da &eacute;poca, conforme relato do professor e ativista Henrique Cunha Jr.</p> <p class="texto">Por fim, Ossie lembra do relato do campe&atilde;o ol&iacute;mpico negro Adhemar Ferreira da Silva sobre o empenho de Iracema para colocar negros <a href="https://correiobraziliense-br.parananoticias.info/portuguese/brasil-60961480?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">no Itamaraty</a>.</p> <p class="texto">"Ela facilitava, do seu pr&oacute;prio bolso, os estudos para que os negros pudessem galgar posi&ccedil;&otilde;es diplom&aacute;ticas. E ela sempre foi combatida", disse Silva em uma entrevista recuperada por Rafael Trapp.</p> <h2>Candidatura pela Arena e alinhamento ao regime militar</h2> <p class="texto">Mas, para realizar seus objetivos em meio aos anos de chumbo, Iracema e o GTPLUN adotaram uma postura de alinhamento ao regime militar, diz Petr&ocirc;nio Domingues, da UFS.</p> <p class="texto">Segundo o historiador, os par&acirc;metros ideol&oacute;gicos do grupo presidido pela m&eacute;dica eram "francamente integracionistas e nacionalistas".</p> <p class="texto">"O grupo era alinhado &agrave; direita e o perfil da direita no per&iacute;odo era de defesa de um projeto nacionalista, patri&oacute;tico, ufanista e o grupo embarcou nesse ufanismo, disso n&atilde;o tenho d&uacute;vida", diz Domingues.</p> <p class="texto">"E 'integracionista' porque o grupo buscava promover a popula&ccedil;&atilde;o negra pela via do di&aacute;logo, da inser&ccedil;&atilde;o na base da concilia&ccedil;&atilde;o &mdash; em nenhum instante o grupo ventilou a possibilidade de enfrentamento, de conflito, nada disso", observa, acrescentando que essa postura "pac&iacute;fica" difere o GTPLUN, por exemplo, da gera&ccedil;&atilde;o seguinte do movimento negro, que viria a formar o <a href="https://correiobraziliense-br.parananoticias.info/portuguese/brasil-63746502?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">Movimento Negro Unficiado</a> (MNU), ao fim da d&eacute;cada de 1970.</p> <figure><img src="https://ichef.bbci.co.uk/news/raw/sprodpb/cf24/live/df558bb0-63e9-11ef-b970-9f202720b57a.jpg" alt="Iracema de Almeida em encontro com o general Em&iacute;lio Garrastazu M&eacute;dici em 1975" width="1782" height="1206" /><footer>Arquivo pessoal/Raphaella Reis</footer> <figcaption>Iracema de Almeida em encontro com o general Em&iacute;lio Garrastazu M&eacute;dici em 1975</figcaption> </figure> <p class="texto">O pesquisador lembra que, em 1968, Iracema chegou a lan&ccedil;ar-se candidata a vereadora de S&atilde;o Paulo pela Alian&ccedil;a Renovadora Nacional (Arena), partido que servia de base de apoio &agrave; ditadura militar &mdash; embora sua candidatura tenha sido impugnada pelo Movimento Democr&aacute;tico Brasileiro (MDB), legenda de oposi&ccedil;&atilde;o ao regime, por motivo desconhecido.</p> <p class="texto">Em 1969, Iracema tamb&eacute;m fez o curso da Escola Superior de Guerra (ESG), conforme relatado por ela mesma em perfil publicado sobre ela naquele ano pela revista mensal Realidade.</p> <p class="texto">"Para mim &eacute; complexo ler artigos de pesquisadores que tratam minha v&oacute; como uma simples pessoa preta de direita", diz Raphaella Reis.</p> <p class="texto">"Ela foi algu&eacute;m que, dentro de uma ditadura, navegou uma s&eacute;rie de estruturas opressoras e que podiam colocar a vida dela, de seus amigos e de sua fam&iacute;lia em risco, para conseguir avan&ccedil;ar as pautas da popula&ccedil;&atilde;o negra no Brasil", defende a neta de Iracema.</p> <p class="texto">Independentemente de seu alinhamento, Iracema tamb&eacute;m sofreu as consequ&ecirc;ncias da vida sob a ditadura, observa Domingues.</p> <p class="texto">Em 1977, por exemplo, o GTPLUN iria receber uma verba de US$ 40 mil da Funda&ccedil;&atilde;o Interamericana (IAF, na sigla em ingl&ecirc;s), &oacute;rg&atilde;o financiado pelo governo dos EUA, para aquisi&ccedil;&atilde;o de uma sede permanente.</p> <p class="texto">Mas a doa&ccedil;&atilde;o foi barrada e as atividades do IAF foram suspensas no Brasil pelo governo de Ernesto Geisel (1907-1996), pois, ao fazer a doa&ccedil;&atilde;o, a funda&ccedil;&atilde;o reconhecia a exist&ecirc;ncia de um "problema racial" no Brasil, o que era recha&ccedil;ado pelos militares.</p> <p class="texto">Cassie Ossie, da Bucknell University, observa ainda que o GTPLUN, como outros grupos ativistas negros da &eacute;poca, foi vigiado pela ditadura.</p> <p class="texto">Isso fica evidente pelo fato de o estudo de Domingues ser baseado principalmente em documentos produzidos pelo Departamento de Ordem Pol&iacute;tica e Social (Deops) de S&atilde;o Paulo, pol&iacute;cia pol&iacute;tica do regime, disponibilizados atualmente para consulta pelo Arquivo P&uacute;blico do Estado de S&atilde;o Paulo (Apesp).</p> <p class="texto">"Para a ditadura, o movimento negro tinha potencial subversivo, porque atentava contra o mito da 'democracia racial', que preconizava a ideia de que n&atilde;o existia racismo no Brasil", explica Domingues, sobre a origem dos documentos que serviram de base para seu estudo.</p> <p class="texto">"O temor era que os protestos e a radicaliza&ccedil;&atilde;o que estavam acontecendo nos Estados Unidos [com o <a href="https://correiobraziliense-br.parananoticias.info/portuguese/articles/c5179z2v6dwo?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">movimento de direitos civis</a>] chegassem no Brasil. Esse era o grande temor: que os negros do Brasil se insurgissem, como estava acontecendo l&aacute;, da&iacute; a necessidade de policiar a movimenta&ccedil;&atilde;o desses militantes aqui."</p> <h2>Anemia falciforme</h2> <p class="texto">Nos anos 1980, Iracema de Almeida se dedica a um outro projeto: o estudo da anemia falciforme.</p> <p class="texto">Predominante entre indiv&iacute;duos negros, a doen&ccedil;a atinge cerca de 8% da popula&ccedil;&atilde;o negra no Brasil, segundo dado do Minist&eacute;rio da Sa&uacute;de de 2021.</p> <p class="texto">Heredit&aacute;ria, a <a href="https://correiobraziliense-br.parananoticias.info/portuguese/internacional-60492432?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">doen&ccedil;a falciforme</a> se caracteriza pela mudan&ccedil;a na estrutura dos gl&oacute;bulos vermelhos, que assumem formato de foice ou meia lua. Com isso, h&aacute; dificuldade no transporte de oxig&ecirc;nio entre as c&eacute;lulas.</p> <p class="texto">O fen&ocirc;meno provoca anemia e outros sintomas que v&atilde;o desde dores nos ossos e nas articula&ccedil;&otilde;es, at&eacute; infec&ccedil;&otilde;es e atraso no desenvolvimento.</p> <p class="texto">"Ent&atilde;o eu falei: mas eu preciso saber como fazer com a anemia falciforme. Eu n&atilde;o sei o que vou fazer com essa anemia falciforme. Ent&atilde;o, vou estudar. Estudei", contou Iracema em uma entrevista feita em 1990, quando ela j&aacute; estava com 70 anos.</p> <p class="texto">"Fiz a localiza&ccedil;&atilde;o aqui nas Am&eacute;ricas. Na Am&eacute;rica do Norte [encontrei] muito, e isso eu senti quando estive l&aacute;. Queria sentir um lugar mais perto: Caribe. Depois fui para a Jamaica sozinha. Sozinha e com o meu dinheiro", acrescentou a m&eacute;dica.</p> <figure><img src="https://ichef.bbci.co.uk/news/raw/sprodpb/faba/live/4ffe8780-63eb-11ef-b970-9f202720b57a.png" alt="Prospecto de palestra sobre 'Detec&ccedil;&atilde;o de anemia falciforme em pacientes', com a participa&ccedil;&atilde;o de Iracema de Almeida, creditada como 'pesquisadora de anemia falciforme no Brasil, &Aacute;frica, Jamaica, Caribe e Barbados', realizada pelo Inamps em setembro de 1987" width="595" height="842" /><footer>Arquivo pessoal/Raphaella Reis</footer> <figcaption>Prospecto de palestra sobre 'Detec&ccedil;&atilde;o de anemia falciforme em pacientes', com a participa&ccedil;&atilde;o de Iracema de Almeida, creditada como 'pesquisadora de anemia falciforme no Brasil, &Aacute;frica, Jamaica, Caribe e Barbados'</figcaption> </figure> <p class="texto">"Na &eacute;poca em que ela come&ccedil;ou a pesquisa, aqui [no Brasil] n&atilde;o tinha nem diagn&oacute;stico, nem tratamento. Ent&atilde;o ela viajou para outros lugares que j&aacute; tinham isso", conta Raphaella.</p> <p class="texto">"O objetivo dela era trazer esse conhecimento para c&aacute;, para o Inamps [Instituto de Assist&ecirc;ncia M&eacute;dica da Previd&ecirc;ncia Social], porque na &eacute;poca n&atilde;o existia nem SUS [Sistema &Uacute;nico de Sa&uacute;de]. E fazer capacita&ccedil;&atilde;o de cl&iacute;nicos gerais para exames cl&iacute;nicos, para identificar os sinais b&aacute;sicos da anemia falciforme", conta a advogada.</p> <p class="texto">Como trata-se de uma condi&ccedil;&atilde;o de sa&uacute;de que afeta mais a popula&ccedil;&atilde;o negra, ningu&eacute;m ligava para essa doen&ccedil;a, diz a neta de Iracema. E os sintomas &mdash; como dor, fraqueza, cansa&ccedil;o &mdash; eram muitas vezes considerados "frescura" ou "coisa de gente pregui&ccedil;osa".</p> <p class="texto">"Ent&atilde;o ela foi viajar para basicamente trazer a no&ccedil;&atilde;o da exist&ecirc;ncia da anemia falciforme para a comunidade m&eacute;dica: como diagnosticar, como tratar, o que observar. Ent&atilde;o o protocolo b&aacute;sico, foi ela que trouxe [para o Brasil]."</p> <h2>Mem&oacute;ria e esquecimento</h2> <p class="texto">Apesar de todos esses feitos, a hist&oacute;ria de Iracema de Almeida &eacute; hoje pouco conhecida.</p> <p class="texto">Em 2005, pouco depois de sua morte, a m&eacute;dica foi homenageada postumamente pela ent&atilde;o Secretaria Especial de Promo&ccedil;&atilde;o de Pol&iacute;ticas de Igualdade Racial (Seppir), &agrave; &eacute;poca sob o comando da ministra Matilde Ribeiro.</p> <p class="texto">"&Eacute; importante que minha av&oacute; seja lembrada, porque sua hist&oacute;ria caiu no esquecimento. Apesar de ter dedicado sua vida &agrave; sa&uacute;de e valoriza&ccedil;&atilde;o da cultura e da hist&oacute;ria negra", disse Raphaella Reis &agrave; &eacute;poca da homenagem.</p> <p class="texto">No ano ado, o nome de Iracema chegou a ser cotado entre personalidades negras que poderiam ser homenageadas com est&aacute;tuas em espa&ccedil;os p&uacute;blicos, a serem instaladas pela Secretaria Municipal de Cultura de S&atilde;o Paulo.</p> <p class="texto">Mas, numa escolha feita atrav&eacute;s de consulta p&uacute;blica, venceram a ialorix&aacute; M&atilde;e Sylvia de Oxal&aacute;, a cantora <a href="https://correiobraziliense-br.parananoticias.info/portuguese/geral-60077675?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">Elza Soares</a>, o soldado <a href="https://correiobraziliense-br.parananoticias.info/portuguese/articles/cglp5jyxelgo?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">Chaguinhas</a> (l&iacute;der de uma revolta contra atrasos de sal&aacute;rios), a intelectual e ativista L&eacute;lia Gonzalez e o ge&oacute;grafo <a href="https://correiobraziliense-br.parananoticias.info/portuguese/brasil-42033622?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">Milton Santos</a>, informou a Secretaria Municipal de Cultura &agrave; BBC News Brasil.</p> <p class="texto">A instala&ccedil;&atilde;o dessas est&aacute;tuas est&aacute; em fase de estudo dos locais de instala&ccedil;&atilde;o e o pr&oacute;ximo o ser&atilde;o as contrata&ccedil;&otilde;es, disse a pasta.</p> <p class="texto">Em seu estudo, o historiador Rafael Trapp avalia que parte do ostracismo que cerca a hist&oacute;ria do GTPLUN talvez se deva &agrave;s "suas liga&ccedil;&otilde;es com o controverso mundo da pol&iacute;tica nos anos 1970" &ndash; isto &eacute;, ao suposto alinhamento do grupo ao regime militar.</p> <p class="texto">"Hoje eu relativizo aquilo que coloquei l&aacute;, pois me parece que a doutora Iracema, assim como seus companheiros do GTPLUN, estavam jogando o jogo pol&iacute;tico que era poss&iacute;vel e que estava ao alcance daquelas pessoas no contexto de classe espec&iacute;fico em que eles se encontravam", afirma Trapp.</p> <p class="texto">"Ent&atilde;o eles se utilizavam de sua posi&ccedil;&atilde;o de classe para, a partir disso, tensionar de forma direta e indireta a estrutura social racista do Brasil."</p> <p class="texto">Cassie Ossie, por sua vez, v&ecirc; outros dois poss&iacute;veis motivos por tr&aacute;s do "esquecimento" de Iracema de Almeida.</p> <p class="texto">O primeiro, diz ela, &eacute; que a m&eacute;dica era de uma gera&ccedil;&atilde;o mais velha do que os l&iacute;deres do MNU, movimento que &eacute; mais lembrado quando se pensa na mobiliza&ccedil;&atilde;o negra no Brasil dos anos 1970. O outro motivo, na vis&atilde;o da historiadora, &eacute; o machismo.</p> <p class="texto">Ela observa, por exemplo, que Iracema &eacute; muitas vezes descrita dentro do pr&oacute;prio movimento negro como uma pessoa "complicada" ou "controversa", com quem era dif&iacute;cil de trabalhar e que frequentemente entrava em conflito com outras pessoas.</p> <p class="texto">"Iracema foi punida por n&atilde;o personificar o que era esperado de uma mulher negra. Embora o feminismo negro desponte no Brasil naquela mesma &eacute;poca, figuras como L&eacute;lia Gonzalez tinham o respaldo, por exemplo, de Abdias Nascimento e de outros homens dentro do movimento negro, enquanto Iracema de Almeida n&atilde;o tinha um fiador masculino", diz a historiadora americana.</p> <p class="texto">Autor de um dos poucos artigos acad&ecirc;micos sobre o GTPLUN, Petr&ocirc;nio Domingues destaca que ainda n&atilde;o h&aacute; nenhum estudo de f&ocirc;lego sobre a vida de Iracema de Almeida.</p> <p class="texto">"A doutora Iracema &eacute; um ponto fora da curva em termos de protagonismo negro em S&atilde;o Paulo e no Brasil. &Eacute; um caso a ser estudado", diz o historiador.</p> <p class="texto">"Na atual fase, em que a luta do movimento de mulheres negras e as feministas negras est&atilde;o pautando o debate da agenda nacional, &eacute; preciso urgentemente conheceremos melhor a origem dessas mulheres, que a partir de seu protagonismo ocuparam a esfera p&uacute;blica e, de uma maneira muito ousada para a &eacute;poca, defenderam seus ideais e buscaram defender a luta antirracista."</p> <ul> <li><a href="https://correiobraziliense-br.parananoticias.info/portuguese/brasil-63746502?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">As fotos que mostram como negros combateram o racismo em plena ditadura</a></li> <li><a href="https://correiobraziliense-br.parananoticias.info/portuguese/brasil-55710653?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">Antes de 'AmarElo' de Emicida, estes document&aacute;rios j&aacute; contavam a trajet&oacute;ria do negro no Brasil</a></li> <li><a href="https://correiobraziliense-br.parananoticias.info/portuguese/brasil-53000662?xtor=AL-73-%5Bpartner%5D-%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D-%5Blink%5D-%5Bbrazil%5D-%5Bbizdev%5D-%5Bisapi%5D">Frente Negra: a hist&oacute;ria do movimento que apoiava o integralismo e foi pioneiro do ativismo negro no pa&iacute;s</a></li> </ul> <p class="texto"><img src="https://a1.api.bbc.co.uk/hit.xiti/?s=598346&amp;p=portuguese.articles.cq5dqq66vq3o.page&amp;x1=%5Burn%3Abbc%3Aoptimo%3Aasset%3Acq5dqq66vq3o%5D&amp;x4=%5Bpt-br%5D&amp;x5=%5Bhttps%3A%2F%2Fcorreiobraziliense-br.parananoticias.info%2Fportuguese%2Farticles%2Fcq5dqq66vq3o%5D&amp;x7=%5Barticle%5D&amp;x8=%5Bsynd_nojs_ISAPI%5D&amp;x9=%5BA+m%C3%A9dica+brasileira+que+lutou+por+negros+nas+universidades+muito+antes+da+Lei+de+Cotas%5D&amp;x11=%5B2024-08-27T14%3A02%3A08.027Z%5D&amp;x12=%5B2024-08-27T14%3A02%3A08.027Z%5D&amp;x19=%5Bcorreiobraziliense.com.br%5D" /></p>", "isAccessibleForFree": true, "image": { "url": "https://midias.correiobraziliense.com.br/_midias/png/2024/08/27/675x450/1_0bb1c360_63e3_11ef_ac6b_4dd21bf2fd72-39629401.png?20240827110955?20240827110955", "width": 820, "@type": "ImageObject", "height": 490 }, "author": [ { "@type": "Person", "name": "Thais Carrança - Da BBC News Brasil em São Paulo" } ], "publisher": { "logo": { "url": "https://image.staticox.com/?url=http%3A%2F%2Fimgs2.correiobraziliense.com.br%2Famp%2Flogo_cb_json.png", "@type": "ImageObject" }, "name": "Correio Braziliense", "@type": "Organization" } } 4924

Eu, Estudante 6rh50

HISTÓRIA E SOCIEDADE

A médica brasileira que lutou por negros nas universidades muito antes da Lei de Cotas 523r2a

Uma das primeiras mulheres negras formadas em Medicina no Brasil, Iracema de Almeida ajudou centenas de outras pessoas negras a ascenderem profissionalmente e foi pioneira no estudo da anemia falciforme no país, mas hoje sua história é pouco conhecida. 2e1gs

"Dizemos com muito orgulho e responsabilidade: nós somos brasileiros vivos. Não queremos mais, queremos o igual", discursou a médica Iracema de Almeida (1921-2004) na Câmara de Vereadores de São Paulo, em 11 de outubro de 1976.

Ela falava como presidente do Grupo de Trabalho de Profissionais Liberais e Universitários Negros (GTPLUN), que ajudou a fundar em 1972, com o objetivo de promover a melhoria econômica da população negra através da profissionalização.

Isso em plena ditadura militar, quando a ideia de que o Brasil seria uma "democracia racial" era parte do discurso oficial.

"Minha avó era uma pessoa muito movida pela força do ódio", lembra a advogada Raphaella Reis, uma das netas de Iracema, em entrevista à BBC News Brasil.

"Ela contava que, certa vez, ela precisou ir a um órgão público ajudar um amigo de Gana que estava vindo para o Brasil e ela precisava informar onde ele iria ficar", conta.

"Ela chegou ao prédio, que ficava no centro, e não deixaram ela entrar, dizendo que aquela não era a porta dela, que ela precisaria entrar pela porta de serviço. E ela respondeu: 'Eu não vou entrar pela porta de serviço, porque não sou sua empregada.'"

Raphaella conta que sua avó então explicou que era médica e que estava ali para realizar um protocolo e registrar seu endereço para o amigo que estava vindo do exterior. Ela teria recebido como resposta que "gente como ela" não tinha casa em endereços como aquele.

Iracema teria então olhado em volta e visto que no local havia apenas pessoas brancas – a única pessoa negra presente era uma faxineira fazendo a limpeza.

No dia seguinte, a médica teria mandado sua faxineira (uma mulher branca) para realizar a tarefa. E a faxineira teria sido recebida no edifício sem maiores problemas.

"Então ela juntou um pessoal para oferecer formações para pessoas negras, para lotar órgãos públicos de servidores negros. Ela queria lotar escolas de professores negros, encher as faculdades de São Paulo de gente negra, como professores e como estudantes", diz Raphaella, sobre o que teria motivado Iracema a se unir ao GTPLUN.

Arquivo pessoal/Raphaella Reis
Iracema foi presidente do GTPLUN, grupo criado em 1972, com o objetivo de promover a melhoria econômica da população negra através da profissionalização

"Iracema de Almeida, mutatis mutandis, era para a geração negra do pós-guerra o que é hoje o Frei David para a geração dos que lutam para ingressar nas universidades", escreveu o professor e poeta Eduardo de Oliveira (1926-2012) em sua enciclopédia Quem é quem na negritude brasileira (CNAB, 1998).

No verbete dedicado a Iracema, Oliveira compara a médica ao religioso franciscano fundador da Educafro, organização que desde 1993 já ajudou mais de 100 mil jovens negros e de baixa renda a ter o ao ensino superior através de seus cursinhos populares.

"Não tive a oportunidade de conhecê-la pessoalmente, mas a conheço como uma irmã da causa", diz Frei David.

"A luta dela pela educação foi determinante, foi estratégica e gerou resultados. Muitos negros que foram beneficiados por ela naquele período ajudaram a construir um clima mais propício para mostrar que, dando oportunidade, o negro dá o pulo da vitória."

Mas o fundador da Educafro não é o único que não teve a oportunidade de conhecer Iracema de Almeida.

Apesar de ter sido uma das primeiras mulheres negras formadas em Medicina no Brasil, de ter colocado em prática o lema "uma sobe e puxa a outra" antes mesmo dele existir, e de ter sido pioneira no estudo da anemia falciforme no Brasil (doença genética e hereditária mais frequente na população negra), Iracema de Almeida é hoje pouco conhecida do público em geral e até mesmo dentro do movimento negro brasileiro.

Conheça a história dessa pioneira na luta pela profissionalização do negro no Brasil e por que sua polêmica afiliação política pode ter contribuído para seu apagamento histórico.

Mulher negra com duas graduações na década de 1950 6w3b56

Iracema de Almeida nasceu em 31 de agosto de 1921, conforme registra seu diploma da Escola Paulista de Medicina (EPM, hoje ligada à Universidade Federal de São Paulo), numa família paulistana negra de classe média.

Isso era algo raro num país que havia abolido a escravidão apenas 33 anos antes (em 1888) e onde, até pelo menos os anos 1960, mais da metade da população negra era analfabeta.

(No gráfico abaixo, clique nos grupos populacionais para selecionar quais linhas ficam visíveis. Assim é possível observar cada linha de forma individualizada.)

José Correia Leite, um dos principais jornalistas da imprensa negra paulista no início do século 20, registrou a condição confortável da família de Iracema em um trecho do seu livro de memórias E disse o velho militante José Correia Leite (Ed. Noovha América, 2013).

"Chegando à casa de uma família negra, eu vi uma coisa que fazia muito tempo não via mais nas famílias de classe média: um sarau musical bonito (...) Naquela visita, depois eu vim a saber que nós estávamos na casa dos pais da moça que se tornou depois conhecida, a Dra. Iracema de Almeida", lembrou Leite, sobre acontecimentos do ano de 1947.

A própria Iracema atribuía a condição favorável de sua família à profissionalização, mas observava que a vida de um negro de classe média naquela época também não era fácil.

"Minha avó por parte de pai era lavadeira e por parte de mãe era cozinheira e a partir daí todos foram profissionalizados: chapeleira, costureira, meu avô, tintureiro, então nós estivemos num meio assim com um pouco mais de conhecimento", disse a médica em entrevista publicada em 1980 no periódico da imprensa negra Jornegro.

"A minha vida também não foi fácil, não venham falar que minha vida foi fácil, porque meu estado emocional foi pior do que se vivesse no meio do negro pobre. No meio dos negros nós não teríamos o dia todo a agressão que senti e que vivia num meio que não me aceitava e que a toda hora me lembrava que eu estava ali e que não era aquele meu lugar."

Entre os lugares incomuns para mulheres negras na São Paulo das décadas de 1940 e 1950, estava o ensino superior.

Basta lembrar que apenas a partir dos anos 2000 o percentual de mulheres negras com formação universitária superou os 2% no Brasil – em 2022, esse patamar era de 11% considerando a população com 25 anos ou mais, acima dos homens negros (7%), mas abaixo de homens e mulheres brancas (22% e 18%, respectivamente), segundo o IBGE.

Iracema teve não só uma, mas duas formações de nível superior.

Primeiro, diplomou-se em piano pelo Conservatório Dramático e Musical de São Paulo, em 1941. Depois, cursou medicina na EPM, formando-se em 1951.

"Ela decide ser médica porque, no contexto onde ela estava, não tinha atendimento, era na base do cházinho. E mesmo que tivesse ali um consultório, um hospital, pessoas como ela e a família dela não eram atendidas", diz Raphaella.

Biblioteca Nacional/Acervo Realidade
Iracema se formou pela Escola Paulista de Medicina em 1951, numa época em que era muito incomum mulheres negras terem o ao ensino superior no Brasil

"Ela se especializou em cardiologia, mas depois viu uma necessidade muito maior, onde ela estava – ela morou na Zona Leste de São Paulo a vida inteira – de ginecologia e obstetrícia. E foi aí que ela fez o nome dela."

Estabelecida na Vila Prudente, Iracema mantinha no bairro dois consultórios, um em que atendia clientes pagantes, e outro "em que atendia, gratuitamente, a população carente da redondeza, de quaisquer matizes", registrou Oliveira em sua enciclopédia da negritude.

"Ela não tinha só o consultório gratuito, ela entrava nas favelas, com o dinheiro dela pagando remédio, para fazer consultas. E ela dava preferência absoluta ao atendimento de mulheres", acrescenta a neta de Iracema.

GTPLUN 4q3y4z

Em outubro de 1972, Antonio Leite – um mineiro que completou seus estudos já adulto, e com isso ascendeu na carreira pública, posteriormente se tornando empresário – teve a ideia de criar uma entidade que lutasse pelos direitos da população negra. Chamou dois amigos para a empreitada.

Faltava alguém com mais experiência na questão racial, daí veio o convite para Iracema de Almeida, que já vinha há alguns anos promovendo palestras e dando orientações "procurando levar uma mensagem de autodeterminação e desenvolvimento da comunidade carente, sobretudo dos jovens negros", escreve o historiador Petrônio Domingues, professor da Universidade Federal de Sergipe (UFS) e autor de artigo sobre o GTPLUN.

"O GTPLUN surge nos anos 1970 como um grupo de profissionais liberais e universitários negros que visava dar coesão social e política para uma pequena, mas significativa, classe média negra em São Paulo", diz o historiador Rafael Petry Trapp, professor da Universidade Federal de Roraima (UFRR) e autor de outro estudo sobre o grupo, em entrevista à BBC News Brasil.

Reprodução
Os deputados Adalberto Camargo e Theodosina Ribeiro, o ator Grande Otelo, a médica Iracema de Almeida, o poeta Eduardo de Oliveira e o atleta Adhemar Ferreira da Silva: parte de uma minúscula 'elite negra' no Brasil dos anos 1970

Domingues observa que, no entendimento do GTPLUN, a escolarização, e especialmente a instrução formal, constituía o grande mecanismo de superação para os negros brasileiros.

Assim, entre 1973 e 1978, o grupo ofereceu diversas formações, como cursos de datilografia, de auxiliar de enfermagem e treinamento para futuros office boys, caixas e escreventes.

Como presidente do GTPLUN, Iracema também usava sua influência para criar relações com os governos municipal e estadual de São Paulo, para desenvolver mecanismos de assistência para as comunidades negras de trabalhadores e de pessoas de baixa renda.

"Para a doutora Iracema, a questão era que os negros não estavam em posições de poder", diz a historiadora Cassie Ossie, professora da Bucknell University, que estudou a médica brasileira em um dos capítulos de sua dissertação de doutorado.

"Então ela, como uma médica, alguém que tinha um status de privilégio de classe, tentou usar seus recursos financeiros, seus recursos políticos e relacionamentos para criar um ambiente para a construção de uma base de poder para as pessoas negras em São Paulo."

Ossie cita como exemplos desse uso de recursos o fato de Iracema ter ajudado o jornalista Hamilton Cardoso (1953-1999), importante ativista do movimento negro, a pagar a matrícula da faculdade — conforme relatado pelo próprio Cardoso em um texto.

A médica também era proprietária da que era considerada a mais completa biblioteca sobre África da São Paulo dos anos 1970, que serviu de base de estudos para muitas ativistas e intelectuais negros da época, conforme relato do professor e ativista Henrique Cunha Jr.

Por fim, Ossie lembra do relato do campeão olímpico negro Adhemar Ferreira da Silva sobre o empenho de Iracema para colocar negros no Itamaraty.

"Ela facilitava, do seu próprio bolso, os estudos para que os negros pudessem galgar posições diplomáticas. E ela sempre foi combatida", disse Silva em uma entrevista recuperada por Rafael Trapp.

Candidatura pela Arena e alinhamento ao regime militar v6p3a

Mas, para realizar seus objetivos em meio aos anos de chumbo, Iracema e o GTPLUN adotaram uma postura de alinhamento ao regime militar, diz Petrônio Domingues, da UFS.

Segundo o historiador, os parâmetros ideológicos do grupo presidido pela médica eram "francamente integracionistas e nacionalistas".

"O grupo era alinhado à direita e o perfil da direita no período era de defesa de um projeto nacionalista, patriótico, ufanista e o grupo embarcou nesse ufanismo, disso não tenho dúvida", diz Domingues.

"E 'integracionista' porque o grupo buscava promover a população negra pela via do diálogo, da inserção na base da conciliação — em nenhum instante o grupo ventilou a possibilidade de enfrentamento, de conflito, nada disso", observa, acrescentando que essa postura "pacífica" difere o GTPLUN, por exemplo, da geração seguinte do movimento negro, que viria a formar o Movimento Negro Unficiado (MNU), ao fim da década de 1970.

Arquivo pessoal/Raphaella Reis
Iracema de Almeida em encontro com o general Emílio Garrastazu Médici em 1975

O pesquisador lembra que, em 1968, Iracema chegou a lançar-se candidata a vereadora de São Paulo pela Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido que servia de base de apoio à ditadura militar — embora sua candidatura tenha sido impugnada pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB), legenda de oposição ao regime, por motivo desconhecido.

Em 1969, Iracema também fez o curso da Escola Superior de Guerra (ESG), conforme relatado por ela mesma em perfil publicado sobre ela naquele ano pela revista mensal Realidade.

"Para mim é complexo ler artigos de pesquisadores que tratam minha vó como uma simples pessoa preta de direita", diz Raphaella Reis.

"Ela foi alguém que, dentro de uma ditadura, navegou uma série de estruturas opressoras e que podiam colocar a vida dela, de seus amigos e de sua família em risco, para conseguir avançar as pautas da população negra no Brasil", defende a neta de Iracema.

Independentemente de seu alinhamento, Iracema também sofreu as consequências da vida sob a ditadura, observa Domingues.

Em 1977, por exemplo, o GTPLUN iria receber uma verba de US$ 40 mil da Fundação Interamericana (IAF, na sigla em inglês), órgão financiado pelo governo dos EUA, para aquisição de uma sede permanente.

Mas a doação foi barrada e as atividades do IAF foram suspensas no Brasil pelo governo de Ernesto Geisel (1907-1996), pois, ao fazer a doação, a fundação reconhecia a existência de um "problema racial" no Brasil, o que era rechaçado pelos militares.

Cassie Ossie, da Bucknell University, observa ainda que o GTPLUN, como outros grupos ativistas negros da época, foi vigiado pela ditadura.

Isso fica evidente pelo fato de o estudo de Domingues ser baseado principalmente em documentos produzidos pelo Departamento de Ordem Política e Social (Deops) de São Paulo, polícia política do regime, disponibilizados atualmente para consulta pelo Arquivo Público do Estado de São Paulo (Apesp).

"Para a ditadura, o movimento negro tinha potencial subversivo, porque atentava contra o mito da 'democracia racial', que preconizava a ideia de que não existia racismo no Brasil", explica Domingues, sobre a origem dos documentos que serviram de base para seu estudo.

"O temor era que os protestos e a radicalização que estavam acontecendo nos Estados Unidos [com o movimento de direitos civis] chegassem no Brasil. Esse era o grande temor: que os negros do Brasil se insurgissem, como estava acontecendo lá, daí a necessidade de policiar a movimentação desses militantes aqui."

Anemia falciforme 4wn6w

Nos anos 1980, Iracema de Almeida se dedica a um outro projeto: o estudo da anemia falciforme.

Predominante entre indivíduos negros, a doença atinge cerca de 8% da população negra no Brasil, segundo dado do Ministério da Saúde de 2021.

Hereditária, a doença falciforme se caracteriza pela mudança na estrutura dos glóbulos vermelhos, que assumem formato de foice ou meia lua. Com isso, há dificuldade no transporte de oxigênio entre as células.

O fenômeno provoca anemia e outros sintomas que vão desde dores nos ossos e nas articulações, até infecções e atraso no desenvolvimento.

"Então eu falei: mas eu preciso saber como fazer com a anemia falciforme. Eu não sei o que vou fazer com essa anemia falciforme. Então, vou estudar. Estudei", contou Iracema em uma entrevista feita em 1990, quando ela já estava com 70 anos.

"Fiz a localização aqui nas Américas. Na América do Norte [encontrei] muito, e isso eu senti quando estive lá. Queria sentir um lugar mais perto: Caribe. Depois fui para a Jamaica sozinha. Sozinha e com o meu dinheiro", acrescentou a médica.

Arquivo pessoal/Raphaella Reis
Prospecto de palestra sobre 'Detecção de anemia falciforme em pacientes', com a participação de Iracema de Almeida, creditada como 'pesquisadora de anemia falciforme no Brasil, África, Jamaica, Caribe e Barbados'

"Na época em que ela começou a pesquisa, aqui [no Brasil] não tinha nem diagnóstico, nem tratamento. Então ela viajou para outros lugares que já tinham isso", conta Raphaella.

"O objetivo dela era trazer esse conhecimento para cá, para o Inamps [Instituto de Assistência Médica da Previdência Social], porque na época não existia nem SUS [Sistema Único de Saúde]. E fazer capacitação de clínicos gerais para exames clínicos, para identificar os sinais básicos da anemia falciforme", conta a advogada.

Como trata-se de uma condição de saúde que afeta mais a população negra, ninguém ligava para essa doença, diz a neta de Iracema. E os sintomas — como dor, fraqueza, cansaço — eram muitas vezes considerados "frescura" ou "coisa de gente preguiçosa".

"Então ela foi viajar para basicamente trazer a noção da existência da anemia falciforme para a comunidade médica: como diagnosticar, como tratar, o que observar. Então o protocolo básico, foi ela que trouxe [para o Brasil]."

Memória e esquecimento 1q5a5p

Apesar de todos esses feitos, a história de Iracema de Almeida é hoje pouco conhecida.

Em 2005, pouco depois de sua morte, a médica foi homenageada postumamente pela então Secretaria Especial de Promoção de Políticas de Igualdade Racial (Seppir), à época sob o comando da ministra Matilde Ribeiro.

"É importante que minha avó seja lembrada, porque sua história caiu no esquecimento. Apesar de ter dedicado sua vida à saúde e valorização da cultura e da história negra", disse Raphaella Reis à época da homenagem.

No ano ado, o nome de Iracema chegou a ser cotado entre personalidades negras que poderiam ser homenageadas com estátuas em espaços públicos, a serem instaladas pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.

Mas, numa escolha feita através de consulta pública, venceram a ialorixá Mãe Sylvia de Oxalá, a cantora Elza Soares, o soldado Chaguinhas (líder de uma revolta contra atrasos de salários), a intelectual e ativista Lélia Gonzalez e o geógrafo Milton Santos, informou a Secretaria Municipal de Cultura à BBC News Brasil.

A instalação dessas estátuas está em fase de estudo dos locais de instalação e o próximo o serão as contratações, disse a pasta.

Em seu estudo, o historiador Rafael Trapp avalia que parte do ostracismo que cerca a história do GTPLUN talvez se deva às "suas ligações com o controverso mundo da política nos anos 1970" – isto é, ao suposto alinhamento do grupo ao regime militar.

"Hoje eu relativizo aquilo que coloquei lá, pois me parece que a doutora Iracema, assim como seus companheiros do GTPLUN, estavam jogando o jogo político que era possível e que estava ao alcance daquelas pessoas no contexto de classe específico em que eles se encontravam", afirma Trapp.

"Então eles se utilizavam de sua posição de classe para, a partir disso, tensionar de forma direta e indireta a estrutura social racista do Brasil."

Cassie Ossie, por sua vez, vê outros dois possíveis motivos por trás do "esquecimento" de Iracema de Almeida.

O primeiro, diz ela, é que a médica era de uma geração mais velha do que os líderes do MNU, movimento que é mais lembrado quando se pensa na mobilização negra no Brasil dos anos 1970. O outro motivo, na visão da historiadora, é o machismo.

Ela observa, por exemplo, que Iracema é muitas vezes descrita dentro do próprio movimento negro como uma pessoa "complicada" ou "controversa", com quem era difícil de trabalhar e que frequentemente entrava em conflito com outras pessoas.

"Iracema foi punida por não personificar o que era esperado de uma mulher negra. Embora o feminismo negro desponte no Brasil naquela mesma época, figuras como Lélia Gonzalez tinham o respaldo, por exemplo, de Abdias Nascimento e de outros homens dentro do movimento negro, enquanto Iracema de Almeida não tinha um fiador masculino", diz a historiadora americana.

Autor de um dos poucos artigos acadêmicos sobre o GTPLUN, Petrônio Domingues destaca que ainda não há nenhum estudo de fôlego sobre a vida de Iracema de Almeida.

"A doutora Iracema é um ponto fora da curva em termos de protagonismo negro em São Paulo e no Brasil. É um caso a ser estudado", diz o historiador.

"Na atual fase, em que a luta do movimento de mulheres negras e as feministas negras estão pautando o debate da agenda nacional, é preciso urgentemente conheceremos melhor a origem dessas mulheres, que a partir de seu protagonismo ocuparam a esfera pública e, de uma maneira muito ousada para a época, defenderam seus ideais e buscaram defender a luta antirracista."

Tags 49q2k