
DAYSE AMARILIO, enfermeira obstetra, professora e deputada distrital (PSB-DF)
Após a pandemia da covid-19, a necessidade de cuidarmos da saúde mental de forma integral ficou cada vez mais evidente. Hoje a pauta é discutida em todo o mundo, o que torna cada vez mais compreensível a necessidade de gestores públicos e tomadores de decisão reforçarem o compromisso para que uma verdadeira mudança de paradigma em relação as tratativas sobre as questões pertinentes a saúde emocional da população mundial aconteça.
Trazendo a questão para nossa realidade, constatamos que é preciso uma ação efetiva, continuada e que priorize a temática, visto que os números relacionados à saúde mental de nossa população são alarmantes. O Brasil está no topo do ranking quando o assunto é adoecimento mental. O país é o terceiro com maior prevalência de depressão na América Latina e também o mais ansioso do mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). E esse quadro se dá em razão de diversos fatores, entre eles: a desigualdade de o aos serviços básicos, ao luto recente em decorrência da pandemia e a sequelas da chamada covid-19 longa.
Como profissional de saúde, conheço essa realidade de perto e sei da necessidade urgente de gestores públicos retomarem os princípios da reforma psiquiátrica — Lei nº 10.216 —, e a valorização da lógica da política antimanicomial. Além disso, é preciso investimento na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), abertura de mais unidades de Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) e suas modalidades, a ampliação do número de Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) e o aumento do número de leitos em hospitais para tratamento de crises agudas que necessitam de internação por um período curto.
O que me alegra, como cidadã e como parlamentar, é saber que o Ministério da Saúde acena para a atenção e o investimento nas questões relativas à saúde mental. No início do último mês de julho, a ministra Nísia Trindade assinou duas portarias. Os documentos instituíram a recomposição financeira para os SRTs e para os CAPs, totalizando mais de R$ 200 milhões para o orçamento da RAPS no restante de 2023. Ao todo, o recurso destinado pela pasta aos estados será de R$ 414 milhões no período de um ano.
Sabemos que é preciso investir e investir de forma continuada para mudar o cenário que enfrentamos hoje quando o assunto é saúde mental. A carência de recursos e a falta de prioridade em relação a temática acaba por aumentar o sofrimento de inúmeras pessoas que tanto precisam de atendimento terapêutico, inclusive crianças e adolescentes.
No Distrito Federal, por exemplo, falta uma rede de saúde mental estruturada, com o rápido e transversalidade. Segundo dados da “Análise de Implementação dos CAPS no Distrito Federal”, realizado pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) em 2021, a maior parte dos centros de atenção psicossocial do DF está em estado precário. Além disso, em todas as regiões há graves problemas para o ao transporte coletivo para os usuários dos equipamentos públicos e também de transporte interno, o que dificulta os servidores do CAPS de realizarem atividades centrais como as visitas domiciliares e o matriciamento.
Mas não apenas isso. De acordo com o estudo, outro ponto que chama atenção são os serviços para crianças e adolescentes. Infelizmente, eles são falhos, mesmo com a altíssima demanda. Há baixa cobertura do centro de atenção psicossocial infantil e o Centro de Orientação Médico-psicopedagógica (COMPP) é um dos poucos serviços públicos que realiza avaliações neuropsicológicas necessárias para o diagnóstico e tratamento de distúrbios de linguagem, transtorno do espectro autista e demais questões neurotípicas/atípicas, junto aos Centros Especializados em Reabilitação.
É preciso um olhar atento e comprometido com a questão. Mas, para além da necessidade de investimentos, quando falamos sobre saúde mental, infelizmente o tema ainda é tratado com muito preconceito e isso acaba por retardar muitos diagnósticos e agravar casos de doenças como depressão, esgotamento, síndrome de Burnout, entre outras.
Outro ponto que merece ser considerado é o impacto que as questões relacionadas a saúde mental exerce na vida cotidiana das pessoas, das famílias e das empresas. Muitas vezes, as pessoas acometidas por doenças ligadas a saúde mental veem suas vidas serem reviradas pelo avesso. Seja socialmente, na família, em relação a produtividade, essas pessoas sofrem em muitos níveis e, por isso, cada vez mais é preciso que olhemos para saúde mental dos indivíduos de forma integrada, tratando todas as nuances da questão, com terapias cada vez mais integrativas e que tenham um olhar de acolhimento e ressignificação.
Paralelo a isso, vale destacar que em razão de inúmeros fatores, cada vez mais temos visto as Classificações Internacionais de Doenças (CIDs) relacionadas aos transtornos mentais. Isso é reflexo do estilo de vida que estamos levando, de uma sociedade que cobra perfeição, rapidez, jornadas de trabalho exaustivas e com pouquíssimas pausas, da falta de inteligência emocional e da própria conjuntura, especialmente em relação a pandemia - uma pausa forçada que impactou toda a humanidade e evidenciou a necessidade de encaramos as questões relativas à saúde mental com muito cuidado e atenção.
Nesse aspecto, como profissional de saúde, vi de perto o esforço sobre-humano que muitos colegas fizeram para salvar vidas durante a pandemia de covid-19. Muitos precisaram se afastar dos familiares, se colocaram em risco para salvar o próximo, assistiram a inúmeros óbitos e tudo isso levou ao agravamento da saúde mental dos profissionais de saúde no DF, no Brasil e em todo mundo. Aqui, em razão de questões de estrutura de hospitais, da falta de insumos, de logística e pelo negacionismo que retardou a distribuição de vacinas, tivemos o maior número de óbitos de profissionais da enfermagem do mundo. Isso trouxe inúmeras consequências, entre elas o adoecimento da categoria.
Dito tudo isso, quero finalizar deixando uma reflexão. É preciso cuidar de quem cuida, é preciso tratar as questões relativas à saúde mental e evidenciá-las diariamente, não apenas em setembro, quando realizamos a campanha Setembro Amarelo. O esforço precisa ser conjunto. Poder Público, Terceiro Setor, escolas, famílias, enfim, toda a sociedade precisa dar as mãos e caminhar juntos para reverter essa situação tão desafiadora e que nos impele à luta.
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