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Editorial

Visão do Correio: A Pax Americana em declínio

A ausência de um árbitro global eficaz deixa espaço para o aumento de conflitos regionais e competição geopolítica, o que pode levar a mais conflitos, deslocamento de populações e crises humanitárias

pri-0304-opiniao Opinião Guerra Ucrânia -  (crédito: Caio Gomez)
pri-0304-opiniao Opinião Guerra Ucrânia - (crédito: Caio Gomez)
postado em 23/10/2023 06:00

Surgida após o fim da Segunda Guerra, a chamada Pax Americana se intensificou com o fim da Guerra Fria, em 1991, quando os EUA emergiram como única superpotência mundial e se tornaram uma espécie de "polícia do mundo". O termo faz referência à Pax Romana, um período de cerca de 200 anos, entre 27 a.C. e 180 d.C, de considerável prosperidade e relativo sossego no que era, então, o principal império do mundo. A expressão também foi reaproveitada para batizar o período de quase cem anos no século 19, que ficou conhecido como Pax Britannica, em que o Império Britânico, após as Guerras Napoleônicas, se tornou a principal potência mundial.

O mundo em que vivemos é muito mais acelerado. Por isso, não deveria ser surpresa a constatação de, após quase 30 anos, a Pax Americana dá claros sinais de declínio. Como polícia do mundo, os EUA aram a evitar que surgissem conflitos nos seus quintais: Europa, América do Sul, alguns países do Oriente como Japão e Filipinas. Quando esses confrontos se tornaram inevitáveis, como a guerra civil provocada pela dissolução da Iugoslávia, os Estados Unidos (EUA) intervieram indiretamente, usando a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) para bombardear Belgrado, a capital da Sérvia. Mas os sucessivos atoleiros que os EUA se meteram — Iraque e Afeganistão, principalmente — minaram a opinião pública interna de que o país seria capaz de se manter como polícia do mundo, e pressionaram por uma gigantesca retração militar, que foi levada a cabo pelo ex-presidente Donald Trump e vem sendo seguida pelo atual mandatário norte-americano, Joe Biden.

O resultado tem sido um mundo em desordem. A guerra na Ucrânia, os conflitos recorrentes entre Israel e o Hamas na Faixa de Gaza, e a crescente tensão entre a China e Taiwan são exemplos claros de como a Pax Americana está se enfraquecendo. O caso da Ucrânia é emblemático. O país vem recebendo e e armamento desde a invasão da Rússia, em fevereiro de 2022, no que vem sendo considerado o maior conflito militar europeu desde o fim da Segunda Guerra. Mas à medida em que o confronto se estende, sem que um desfecho se aproxime, o apoio ocidental ao presidente ucraniano Volodymyr Zelensky vem ficando cada vez mais frágil.

No caso da guerra entre Israel e o Hamas, foi marcante que a visita de Joe Biden ao estado judeu tenha sido marcada por um bombardeio — até agora de origem incerta — a um hospital palestino, com um saldo de mais de 500 mortos. Também foi marcante o veto dos EUA no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU) à proposta do Brasil de um cessar-fogo e de abertura de corredores humanitários. Diplomatas de outras potências, como China e Rússia, além de entidades dos direitos humanos, criticaram abertamente a posição de Washington.

Por fim, a tensão crescente entre a China e Taiwan destaca a incapacidade dos EUA de conter a expansão de influência chinesa tanto na região quanto em outras partes do mundo, já que o governo de Pequim, por meio da iniciativa da Nova Rota da Seda, já se insinua como principal financiador de outros países no continente africano. Portanto é evidente que, embora a Pax Americana não tenha sido isenta de críticas e controvérsias, sua diminuição tem deixado o mundo em um estado de maior incerteza. A ausência de um árbitro global eficaz deixa espaço para o aumento de conflitos regionais e competição geopolítica, o que pode levar a mais conflitos, deslocamento de populações e crises humanitárias. Se os EUA foram imperfeitos em seu papel como polícia do mundo, sua ausência recente deixa um vácuo que gera desafios ainda maiores. Qualquer o em falso pode significar mais combustível em um mundo já em chamas.

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