
André Gustavo Stumpf*
As revoluções, ou suas respectivas tentativas, têm um aspecto ridículo que nunca deve ser desprezado. O realismo mágico existe. Não é invenção de escritores do quilate de Gabriel García Márquez. Eles perceberam o fenômeno na política latino-americana. Nessas histórias, há sempre um general, cheio de medalhas no peito, a proclamar-se o benefactor da pátria, em nome da defesa das instituições, da moral e dos bons costumes, que baixa o cacete nos opositores. Às vezes, em nome de Deus.
Não será surpresa se, dentro de alguns anos, tudo isso que a Polícia Federal descobriu seja esquecido ou considerado ilegal. Foi assim com a Operação Lava-Jato, que encontrou uma roubalheira abissal nos negócios da Petrobras. Apesar das confissões, feitas em juízo, de repente, todos foram inocentados. Aqui, não há memória.
A Polícia Federal colocou o guizo no pescoço do gato. O capitão Bolsonaro utilizou todo o período de seu governo para tramar contra as instituições nacionais. Ele esqueceu ou não teve competência para governar. Não inaugurou uma única escola, não avançou um o no sentido de colocar o país em posição melhor no contexto internacional. Frequentou colóquios internacionais como personagem exótico, que abandonava o local dos encontros de autoridades estrangeiras para fazer refeições em restaurantes de comida rápida. Vendeu as joias recebidas como presente em visitas de Estado, representando o Brasil. Frequentou os quartéis durante os quatro anos de seu mandato. E concedeu generosos aumentos de salário aos militares.
Roteiro muito semelhante ao trilhado por Nicolás Maduro, o homem forte da Venezuela que, nos últimos tempos, ou a fazer críticas abertas ao presidente Lula, de quem era amigo íntimo. Ele quebrou a PDVSA, a petroleira venezuelana, entregou os melhores cargos para seus correligionários, fechou os olhos para o tráfico de drogas e colocou os garimpos de ouro à disposição dos militares. Encheu o peito de medalhas, o que lhe concedeu o direito de prender, torturar e matar opositores. De vez em quando, conversa com o falecido Chávez por intermédio de um arinho que pousa na sua janela. Tudo em nome do pobre Bolívar, que apenas comandou a independência das colônias espanholas na América do Sul. O libertador morreu tuberculoso. Sua mulher, Manuela Sáenz, chamada de la libertadora, viveu seus últimos anos vendendo pastéis em Guayaquil, Equador.
Essa é a nossa América do Sul. Não se esquecer da paixão dos argentinos pelo cadáver de Evita Perón que perambulou insepulto durante anos e viajou entre Espanha e Argentina. No caso brasileiro, o presidente, em vez de governar, ou a tramar contra as instituições de seu país. Ele teve todos os instrumentos ao alcance da mão. Tinha a caneta, a polícia, a maioria dos parlamentares e o apoio popular. Decidiu caminhar pelo lado escuro da política. Perdeu a eleição por incompetência e incumbiu militares de forças especiais do Exército de matar o presidente da República, o vice e o então presidente do Tribunal Superior Eleitoral. Coisa de amador. Como acontece na melhor literatura latino-americana, sempre dá tudo errado, seja porque alguém falou demais, seja porque ficou bêbado, seja por ter chegado atrasado na hora fatal. Ou, ainda, por ter sujado as calças.
Não havia o menor risco de dar certo. Eles fizeram o ensaio geral no dia da diplomação de Lula e Alckmin. Promoveram a maior baderna no centro de Brasília. Chegaram a tentar invadir a sede da Polícia Federal. A PMDF limitou-se a olhar. Mas o golpe, ou o que restou dele, estava em curso. Depois veio o 8 de janeiro, que foi claramente conduzido por gente do ramo. A invasão do Congresso pelo teto, com apoio de uma escada de cordas, a utilização de água para reduzir o efeito do gás lacrimogêneo, denuncia a presença de especialistas. Os militares colocaram dois tanques de guerra para defender o enorme acampamento de manifestantes, onde eram servidas três refeições por dia. O pessoal tinha dinheiro.
Naquele dia, Lula estava em Araraquara, interior de São Paulo. Foi o secretário-executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Capelli, que teve a coragem de entrar no quartel-general do Exército e determinar a retirada dos manifestantes da frente das instalações militares. Todos foram presos. Agora, a Polícia Federal chegou aos mandantes. Eles são herdeiros do falecido ministro da Guerra, Sylvio Frota, de quem o general Augusto Heleno foi ajudante de ordens. Ele foi exonerado pelo presidente Ernesto Geisel por ser contra a redemocratização do país.
Se tivessem conseguido dar o golpe, além de prender, torturar, matar e censurar a imprensa, eles brigariam entre si. Jamais os generais itiriam bater continência para capitão. Bolsonaro correria o risco de ser preso por seus amigos, em nome da defesa da ordem. Macondo não existe somente na literatura de García Márquez. Macondo é aqui.
*Jornalista