
MARCELO COUTINHO —Professor doutor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), especialista em indústria de hidrogênio verde
Em fevereiro, a Argentina registrou 47ºC de calor. Rio Grande do Sul, 44ºC. A média da temperatura global subiu 1,75ºC em janeiro durante a suposta La Niña, 0,08ºC acima de janeiro de 2024 durante o auge do El Niño. Havia subido no ano 1,6ºC em 2024, e 1,5ºC em 2023. Neste inverno, no Hemisfério Norte, não houve neve em Moscou. O limite seguro do Acordo de Paris de 1,5ºC foi flagrantemente atropelado. Os termômetros não enlouqueceram. Na verdade, nossas civilizações parecem ter enlouquecido. Os termômetros apenas registram uma quantidade colossal de carbono emitido na atmosfera.
O Plioceno, cerca de 4 milhões de anos atrás, foi a última vez em que o mundo teve uma concentração de carbono com mais de 400 partes por milhão na atmosfera. E o planeta aqueceu 4,1ºC acima do período pré-industrial moderno, elevando o nível do mar em 20 metros mais alto do que agora. A concentração de CO² hoje em dia já está em 425 ppm. Incluindo também outros gases de efeito estufa, estamos por volta de 560 ppm de CO² equivalente. O aquecimento global que já vinha galopante desde 2015, acelerou muito nos últimos três anos. Para se ter uma ideia da gravidade, caso o aquecimento entre fevereiro e abril não caia abaixo de 1,62ºC, é muito provável que cheguemos ao fim do ano com mais 1,7ºC de aquecimento médio, o que confirmaria o ponto sem retorno.
Esses e outros dados — inclusive, da Nasa que mostram um desequilíbrio energético global monstruoso com +1,2 W/m2 do fluxo líquido entre a radiação solar absorvida e as ondas longas — deveriam assustar qualquer ser humano racional, pois significa uma marcha rápida da insensatez rumo à destruição das civilizações. O clima estável do Holoceno que viabilizou a civilização nos últimos 11 mil anos simplesmente acabou. Isso não é uma especulação, mas a constatação de um fato. E para piorar, as emissões globais em 2024 aumentaram 0,9% (Carbon Monitor). O Brasil foi o país que mais aumentou suas emissões, vergonhosos 4%, ficando atrás apenas da Índia (4,5%). Isso sem contar as emissões de mudança do uso da terra, que certamente aumentam o nosso constrangimento mundial muito mais.
Um importante cientista climático, o professor James Hansen, que mais tem acertado as previsões, estima que em 20 anos o mundo acaba, e sem que tenhamos a menor chance. Segundo ele, o da ONU para mudanças climáticas está subestimando o colapso da corrente marinha chamada Amoc, que será provavelmente o evento mais impactante sobre a humanidade desde as eras glaciais. No entanto, mesmo o professor Hansen pode estar subestimando o andamento do problema, como ele próprio salienta, pois com o ritmo de aquecimento recente na faixa de 0,41ºC por década, significa que chegaríamos a +2ºC em 2033, com o agravante de que continua piorando tanto as emissões quanto a sensibilidade climática a elas.
Deveríamos estar numa etapa adiantada da transição energética, mas os combustíveis fósseis continuam aumentando sua produção e consumo. Na casa dos 2 trilhões de dólares, os investimentos em energias renováveis já são pelo segundo ano consecutivo o dobro dos investimentos em petróleo, gás natural e carvão no mundo. Porém, enquanto não houver uma proibição no uso dos combustíveis fósseis ou metas de redução de produção, continuaremos aumentando as emissões ano a ano, num patamar que já é elevadíssimo, cerca de 41 bilhões de toneladas de carbono anuais.
Por outro lado, o hidrogênio verde, que é a peça final da transição energética, avança muito lentamente, enquanto continua a falsa crença de que biocombustíveis ajudam. A solução dos biocombustíveis não é a solução nem mesmo para o agronegócio brasileiro, que vem sofrendo com as mudanças climáticas. Não adianta tirar comida do prato do povo para colocar biocombustível no tanque do carro. Os preços dos alimentos estão subindo, forçando a inflação e os juros altos. O óleo de soja aumentou 100% de preço nos últimos dois anos também porque o governo incentivou o seu uso para fazer biodiesel. O mesmo acontece com o milho e a cana-de-açúcar para fazer etanol. Não à toa, a União Europeia colocou os combustíveis biológicos com os dias contados na forma da lei.
Para piorar todo esse quadro dramático, os Estados Unidos elegeram um presidente que deu as costas para a crise climática. Seu apetite pelo Canadá e pela Groelândia mais parece com uma neocolonização do Ártico, talvez porque Trump ache que ali, com o aquecimento global, será uma nova Flórida para os seus netos, lembrando que o Polo Norte já foi casa de crocodilos e palmeiras milhões de anos atrás. O problema com isso é que o resto do mundo vira literalmente um caldeirão do inferno. Do jeito que as coisas estão indo, teremos uma efeméride 2033 apocalíptica. Dois mil anos da ressurreição de Cristo são de nos fazer refletir sobre a Profecia da Revelação em tempos de ebulição global. Fim dos tempos?