
Melina Risso — Diretora de pesquisa do Instituto Igarapé
No fim de 2024, o governo federal publicou um novo decreto de armas que altera, de forma significativa, as regras do tiro desportivo no país, instituindo a categoria de "atirador desportivo de alto rendimento". O novo texto traz preocupações quanto à segurança pública e ao controle de armas porque desvincula essa nova categoria das regras previamente estabelecidas pelo decreto de 2023, fundamental para conter o crescimento alarmante das armas em circulação no país — que havia disparado no governo anterior — e que representou um importante avanço ao buscar restaurar a racionalidade na política de controle de armas, reintroduzindo limites já bastante generosos e coerentes com o nível de experiência e a participação competitiva dos atiradores.
Até a virada do ano, os atletas eram classificados em três níveis — conforme a frequência em clubes de tiro e a participação em competições — e o o a uma maior quantidade de armas, munições e a calibres s era limitado a atiradores comprovadamente mais experientes. Criam-se, agora, lacunas regulatórias que podem comprometer não apenas a prática esportiva, mas também a segurança no país, já que o novo decreto permite que qualquer atirador com um determinado ranqueamento em competições organizadas por confederações ou ligas nacionais possa adquirir até oito armas de calibre , sem a necessidade de cumprir uma progressão gradual de níveis, conforme previa a regulação anterior.
Na prática, o novo decreto transfere a tomada de decisão sobre esses atiradores dos órgãos ligados à segurança (Comando do Exército ou Polícia Federal) para as confederações e ligas nacionais. Ainda não se sabe como o governo resolverá um dos maiores problemas, que é a falta de padronização e transparência dessas organizações que são, atualmente, extremamente heterogêneas. Enquanto algumas confederações são alinhadas a padrões internacionais e apoiam atletas de nível olímpico, outras ligas têm competições de baixo nível técnico, sem relevância para a formação de atletas e nenhum compromisso com a segurança pública.
Portanto, é urgente que a definição dos critérios de enquadramento da nova categoria criada, a de "atiradores desportivos de alto rendimento", a ser realizada pelos ministérios da Justiça e Segurança Pública e do Esporte seja bastante restritiva, abrindo exceção apenas para o esporte de alto rendimento olímpico e paralímpico.
É preciso também que a filiação dos atletas, a organização e a validação das competições e o ranking de desempenho sejam s à competência da Confederação Brasileira de Tiro Esportivo (CBTE), que é afiliada ao Comitê Olímpico Brasileiro e à Federação Internacional de Esportes de Tiro (ISSF), órgão que também faz parte do Comitê Olímpico Internacional e é responsável pela organização das atividades de tiro nas Olimpíadas e Paralimpíadas.
Outras confederações de tiro que não correspondem a modalidades olímpicas ou paralímpicas, como as de tiro prático ou tático, assim como ligas independentes ou sem padrões técnicos unificados, devem ser excluídas dessa regulamentação, evitando que haja um novo derramamento de armas de uso na sociedade.
A qualidade e o rigor desse ato por parte dos ministérios federais é o que vai determinar se pessoas com experiência limitada ou duvidosa serão consideradas "atiradores de alto rendimento" e, consequentemente, poderão adquirir armas de maior poder destrutivo.
Em um país como o Brasil, que lidera os índices mundiais de homicídios, além enfrentar um crescente desvio de armas para as mãos de criminosos e de fiscalizar menos de 5% dos acervos de CACs (colecionadores, atiradores e caçadores), qualquer medida que facilite o o a armas de fogo deve ser encarada com extrema cautela. Só assim, iremos assegurar o equilíbrio entre o incentivo ao esporte com a proteção à vida e ao bem-estar da população.