
Há situações tão absurdas que parecem possíveis só nos roteiros de novelas e filmes, e olhe lá! É o caso de Sua Excelência o juiz Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, que, na verdade, é José Eduardo Franco dos Reis, de 67 anos, nascido no interior de São Paulo. Apenas, por curiosidade, vamos às escolhas do suposto nobre. Edward, em homenagem aos muitos reis assim chamados na Inglaterra; Albert é o rei de Mônaco; Lancelot, um dos cavaleiros da lenda da Távola Redonda; Dodd, houve um embaixador norte-americano expressivo que atuou na Alemanha, pouco antes da Segunda Guerra Mundial; Canterbury, principal centro religioso da Igreja Anglicana; Caterham, fabricante de carros esportivos; e Wickfield, sobrenome da principal personagem feminina de David Coperfield, famoso livro de Charles Dickens. Mas o que teria feito esse cidadão usar nome e documentos falsos por 45 anos, inclusive sendo aprovado para direito na USP, uma das instituições mais sérias do país, e em concurso público de dificuldade elevadíssima, além de e proferir sentenças?
Como a mente humana é um labirinto, desbravado só por quem pode, nem vou entrar nessa seara. O que vale por ora é que especialistas afirmam que as decisões proferidas por ele em 23 anos de magistratura deverão ser mantidas, uma vez que foi aprovado em concurso público, preenchendo os requisitos exigidos e exerceu a função, mesmo que usando nome falso.
O caso indigesto ainda não chegou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão comandado pelo ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Supremo Tribunal Federal (STF). Para se manifestar, é preciso ser provocado. Até o momento, não houve manifestações. A presidência do Tribunal de Justiça (TJ) de São Paulo suspendeu, istrativamente, os pagamentos do juiz aposentado. Paralelamente, o Ministério Público e a Polícia Civil de São Paulo investigam o tema, enquanto a 29ª Vara Criminal de São Paulo já o notificou para apresentar a defesa.
A história do suposto nobre que nunca foi britânico, muito menos membro da nobreza, é uma entre tantas. O CNJ recebe dezenas de denúncias sobre conduta inadequada, posturas antiéticas e erros grosseiros istrativos envolvendo magistrados. No começo do mês, a juíza Priscila de Castro Murad, do Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJES), recebeu censura e foi encaminhada à aposentadoria compulsória por atrasar processos e deixar estagiários presidirem a sessão.
Em março, o CNJ, por unanimidade, aplicou pena de censura à juíza Joana Ribeiro, do Tribunal de Santa Catarina (TJSC). Ela ficou conhecida nacionalmente por impedir uma menina de 10 anos, vítima de estupro, de interromper a gestação, conforme o artigo 128, inciso II, do Código Penal, que autoriza o ato em casos de gravidez oriunda de violência sexual. Na ocasião, a magistrada determinou a manutenção da criança, com uma gestação de 22 semanas e três dias, em um abrigo por cerca de um mês, o que tardou a realização do procedimento, já autorizado pela Justiça. Numa das sessões, Renata Gil, juíza estadual, indicada pelo Supremo para ser conselheira, desabafou: "Juiz não é um item de decoração, uma árvore, algo estanque que só observa o que está acontecendo".