
ANSELMO DE OLIVEIRA RODRIGUES, doutor em ciências militares
Em 7 de janeiro de 2025, durante uma entrevista coletiva aos meios de imprensa norte-americanos, Donald Trump não descartou a possibilidade de realizar uma ação militar na Groenlândia e anexá-la ao território dos Estado Unidos (EUA). O pronunciamento feito pelo presidente eleito, antes mesmo de tomar posse, causou surpresa e gerou as mais variadas reações no planeta.
Rapidamente, os políticos dinamarqueses rechaçaram tal possibilidade, alegando que o futuro da ilha deveria ser decidido pelos groenlandeses, afinal, a Groenlândia é considerada uma região autônoma, integrante do reino da Dinamarca. A imprensa, em sua grande maioria, proferiu críticas a Donald Trump, destacando que os EUA não poderiam interferir nos assuntos internos da ilha.
Mas quais foram os motivos que levaram Donald Trump a emitir tal pronunciamento? Deflagrada em fevereiro de 2022, a guerra russo-ucraniana não teve o desfecho que Vladimir Putin havia idealizado. O apoio dado pelo Ocidente à Ucrânia prolongou o conflito para além do visualizado pelo mandatário russo que, inesperadamente, começou a ter dificuldades para manter o esforço de guerra. Com grande apoio interno e disposto a pagar um alto preço para prevalecer o que entendia ser um momento decisivo na competição estratégica contra os EUA, Vladimir Putin solicitou ajuda a vários países nesse conflito, entre os quais a China.
Xi Jinping, entendendo que a Rússia detém cerca de 53% da área territorial do Ártico e sabendo que aquela região possui uma gigantesca reserva de recursos minerais, solicitou a Vladimir Putin que gostaria de ter o ao Ártico. O mandatário russo, prontamente, aceitou a proposta, pois também visualizou a presença chinesa no Ártico, como uma maneira de compensar as vantagens adquiridas pela OTAN naquela região, principalmente depois da entrada dos dois últimos estados árticos que ainda não eram alinhados ao Ocidente: Finlândia e Suécia.
A ajuda chinesa veio por meio de investimentos bilionários na base industrial de defesa russa. O apoio dado por Xi Jinping melhorou a capacidade da Rússia em repor as perdas materiais na guerra russo-ucraniana e possibilitou até a realização de ações ofensivas no teatro de operações. Não por acaso, o comércio entre China e Rússia tem aumentado desde o início da guerra, ajudando Moscou a resistir às sanções ocidentais e a registrar aumentos substanciais em seu PIB.
Em decorrência do aquecimento global e o consequente derretimento da camada de gelo no Ártico, a Guarda Costeira Chinesa e o Serviço de Guarda de Fronteira da Rússia am um memorando de entendimento em abril de 2023. Com o acordo firmado, a China começou a construir e enviar navios quebra-gelos para explorar o Ártico russo. E, assim, desde então, chineses e russos também têm trabalhado juntos para desenvolver novas rotas de navegação no Ártico.
E não parou por aí, devido à proximidade do Ártico com a Groenlândia e ávida por recursos naturais, gradualmente, a China aumentou o seu envolvimento com a Groenlândia, principalmente por meio de projetos de mineração, desenvolvimento de infraestruturas e projetos de pesquisa científica. Apesar de ser incipiente atualmente, a ambição chinesa é expandir o o aos recursos naturais da ilha e ter a possibilidade de utilizá-la como um ponto de apoio estratégico.
Tais movimentos não aram despercebidos pelos norte-americanos, que têm a base espacial de Pituffik na Groenlândia, estrutura essencial no sistema de alerta de mísseis dos EUA. Donald Trump, ao tomar conhecimento dos relatórios de inteligência, ficou temeroso com a ousadia dos chineses e, sem titubear, emitiu aquele pronunciamento, dando um recado claro à China que tais movimentos seriam respondidos à altura, prometendo até uma intervenção militar na Groenlândia.
Com origem na guerra russo-ucraniana, atualmente a Groenlândia se vê no meio de uma disputa travada entre norte-americanos e chineses. Se de um lado, o apetite demonstrado por Donald Trump em sua versão 2.0 tem surpreendido o mundo, por outro lado, a paciência estratégica de Xi Jinping parece ter deixado a China melhor preparada para enfrentar os EUA nesse embate. Quanto ao futuro, somente o tempo responderá quem vencerá essa disputa, se é que haverá algum vencedor, mas que a ilha ará por momentos de tensão, isso é fato .A ver cenas dos próximos capítulos