
Vinicius Soares — doutorando de saúde coletiva da UFRJ e presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG)
Você aceitaria trabalhar entre dois e seis anos sem que esse tempo fosse contabilizado para sua aposentadoria? Essa é a realidade enfrentada por mais de 320 mil mestrandos e doutorandos em todo o Brasil.
Somos uma categoria híbrida — profissionais já formados que, ao mesmo tempo, seguem em processo de educação continuada. Dedicamos anos de nossas vidas impulsionando o desenvolvimento nacional e oferecendo soluções para os problemas que impactam diariamente a sociedade brasileira. Apesar disso, sofremos um verdadeiro eclipse de direitos sociais, especialmente no que diz respeito à proteção trabalhista e previdenciária.
Para se ter uma ideia, enquanto a licença-maternidade é um direito garantido às trabalhadoras brasileiras desde a década de 1940, para as bolsistas pós-graduandas esse direito só foi conquistado em 2017. Outro exemplo é o fato de não termos o tempo dedicado à pesquisa reconhecido para efeitos de contribuição à Previdência Social.
Essa situação escancara a grave omissão do Estado brasileiro em reconhecer a natureza laboral da produção científica e a necessidade de assegurar todos os direitos dela decorrentes. E não estamos falando de algo novo: a própria Constituição Federal, em seu artigo 218, determina que o Estado deve prover meios e condições especiais de trabalho para aqueles que se dedicam à pesquisa científica. Contudo, há quase quatro décadas, essa diretriz constitucional permanece apenas no papel.
Nossa reivindicação é simples e legítima: queremos que o tempo dedicado à ciência durante o período de mestrado e doutorado seja contabilizado para a aposentadoria. Não se trata de um pedido inédito ou inviável, até porque não pedimos nenhum favor — nossa proposta prevê contribuição, a partir das agências de fomento.
Existem precedentes: residentes em saúde — pós-graduandos da modalidade lato sensu — já têm seu período de residência reconhecido como tempo de atividade laboral para fins previdenciários. Militares contam tempo de serviço desde o ingresso nas escolas de formação. Alunos de escolas técnicas e aprendizes, até 1998, também puderam aproveitar esse período para a aposentadoria.
Por que, então, aqueles que sustentam 90% da produção científica nacional seguem desprotegidos? Essa pergunta precisa ser encarada com seriedade pelas autoridades públicas. Somos uma categoria estratégica para o presente e o futuro do Brasil. Dados mundiais comprovam: há forte correlação entre o número de doutores formados e o nível de crescimento e desenvolvimento econômico das nações.
Entretanto, a falta de reconhecimento de nossos direitos impacta diretamente na atratividade da carreira científica no país. Não é por acaso que, nos últimos anos, muitos programas de pós-graduação não têm conseguido preencher todas as suas vagas. Segundo dados do Observatório da Pós-Graduação, disponível na Plataforma Sucupira da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), o número de novos doutorandos caiu de 31.500 em 2019 para cerca de 28.000 em 2023 — o menor patamar desde 2014.
A invisibilidade social dos pós-graduandos desestimula a formação de novos pesquisadores e aprofunda a preocupante perda de talentos, evidenciada tanto pela fuga de cérebros para o exterior quanto pela migração desses profissionais para áreas de menor densidade científica e tecnológica.
Se pensamos em valorização profissional, o que acontece com os pós-graduandos é uma verdadeira inversão de parâmetros. Mestrandos e doutorandos configuram uma mão de obra altamente especializada e em contínuo aprimoramento. No entanto, o rendimento médio do trabalhador brasileiro, apurado pela Pnad-Contínua em janeiro de 2025, foi de R$ 3.343, enquanto a bolsa de mestrado é de apenas R$ 2.100 e a de doutorado, R$ 3.100. É aviltante, mas, no Brasil, a dedicação à ciência é quase uma punição do ponto de vista profissional.
Por isso, valorizar os pós-graduandos vai muito além do pagamento de bolsas de estudo. É preciso garantir uma cesta de direitos básicos que inclua seguridade social, condições dignas de trabalho e estímulos à permanência na carreira científica. Nesse sentido, assegurar o direito à previdência é um o essencial nessa trajetória. Precisamos fazer esse debate e reconhecer os direitos dos trabalhadores da ciência brasileira.
Não se trata apenas de uma questão de justiça. É uma questão de projeto de nação. Um país que desvaloriza seus cientistas compromete seu próprio futuro.
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