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Pé-de-Meia: incentivo ou bomba fiscal?

Programa divide opiniões: enquanto alunos e governo defendem a iniciativa, oposição aponta risco de rombo bilionário e bloqueio do TCU

Deputada Tabata Amaral: benefício representa investimento estratégico e não deve ser visto como um custo -  (crédito: Bruno Spada/Câmara dos Deputados)
Deputada Tabata Amaral: benefício representa investimento estratégico e não deve ser visto como um custo - (crédito: Bruno Spada/Câmara dos Deputados)

Aprovado pelo Congresso Nacional e instituído pela Lei nº 14.818/2024, o programa Pé-de-Meia busca reduzir a evasão escolar oferecendo incentivo financeiro a estudantes do ensino médio, da rede pública, inscritos no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico). Apesar de representar um alívio financeiro para muitas famílias, o benefício tem sido alvo de críticas sobre sua viabilidade econômica e transparência na gestão dos recursos, gerando um acirrado debate entre governo e oposição.

O principal questionamento da oposição é a transparência na execução dos recursos do programa. O deputado Luciano Lorenzini Zucco (PL-RS) lembra que o Tribunal de Contas da União (TCU) identificou irregularidades na gestão financeira do Pé-de-Meia e bloqueou R$ 6 bilhões destinados ao benefício, concedendo um prazo de 120 dias para ajustes.

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Segundo o TCU, os problemas envolvem o uso indevido de recursos do Fundo de Garantia de Operações (FGO) sem a devida previsão orçamentária, o que contraria normas fiscais. Além disso, foi apontado que a execução dos pagamentos ocorreu antes de uma regulamentação clara sobre a origem dos recursos. "Uma espécie de orçamento paralelo, o que configura crime de responsabilidade fiscal, caracterizando o caso como uma pedalada semelhante às ocorridas em gestões anteriores", critica Zucco.

Especialistas apontam que, sem um planejamento sólido, o programa pode enfrentar dificuldades como cortes ou até deixar de existir. Para a advogada Maísa Pio, a sustentabilidade do programa pode gerar impactos na arrecadação pública. Ela afirma que, sem manutenção, o benefício pode afetar o equilíbrio fiscal e causar aumento de tributos. "A expansão do Pé-de-Meia representa um investimento de R$ 12,5 bilhões anuais. Para viabilizar essa despesa sem gerar desequilíbrios financeiros, o governo poderá adotar a realocação de recursos de outras áreas ou, até mesmo, a criação de novas fontes de receita. Em último caso, há a possibilidade de aumento da carga tributária, o que vem causando desconforto e insegurança entre investidores", analisa a tributarista.

Na opinião do economista Másimo Della Justina, a incorporação do Pé-de-Meia ao Orçamento da União deve ser feita de forma estratégica, garantindo que o programa seja tratado como uma prioridade e não apenas um gasto adicional. "Não pode simplesmente lançar o programa e depois ver de onde vem o recurso. Se esses gastos forem incorporados como obrigação normal e prioritária no Orçamento anual da União, deve haver uma respectiva diminuição de gastos em áreas menos prioritárias para compensar", alerta.

Recursos garantidos

Autora do projeto, a deputada Tabata Amaral (PSB-SP), por sua vez, defende que o Pé-de-Meia representa um investimento estratégico para o país e não deve ser visto como um custo. Ela cita estudos do economista Ricardo Paes de Barros, que apontam que a evasão escolar custa cerca de R$ 395 mil por jovem ao longo da vida. "Essa perda reverbera na vida do indivíduo e na própria dinâmica da sociedade, o que não é sustentável. O Pé-de-Meia, instituído por lei, já é uma política permanente. A sociedade não vai permitir retrocessos nessa política e o próprio Congresso já demonstrou que aportará recursos ao programa", argumenta a parlamentar.

O Pé-de-Meia foi inicialmente financiado com um aporte de R$ 6,1 bilhões do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) em 2023. No entanto, a partir de 2024, o governo ou a utilizar recursos do Fundo Garantidor de Operações (FGO) para custear o programa. Em 2026, a previsão é de que o benefício seja incorporado ao orçamento do Ministério da Educação (MEC), tornando-se uma despesa permanente da União.

O MEC garantiu ao Correio que a medida está estruturada para ser mantida nos próximos anos e reforça que sua ampliação será avaliada conforme os impactos na educação e no orçamento federal. "O Fundo para custear e gerir a Poupança de Incentivo à Permanência e Conclusão Escolar (Fipem) é regido por um Comitê de Participação", informa.

Combate à evasão escolar

De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) sobre educação, divulgada em março de 2024, 25% dos adolescentes entre 15 e 17 anos estão fora da escola ou em atraso escolar, enquanto 11% conciliam os estudos com o trabalho. A proposta do Pé-de-Meia é reverter esse quadro, garantindo um incentivo financeiro para que os estudantes permaneçam na escola e concluam o ensino médio, reduzindo a necessidade de entrada precoce no mercado de trabalho.

Para o economista Másimo Della Justina, investir na permanência dos jovens na escola não é apenas uma política social, mas uma estratégia econômica de longo prazo. "O que o governo gasta hoje com educação arrecadará no futuro sobre a renda da geração educada, o que o governo não gasta hoje com educação, gastará no futuro com patologias individuais e sociais decorrentes da falta de opção de renda para os não escolarizados", ressalta.

O deputado Rafael Brito (MDB-AL), presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação, compartilha da visão de Másimo e defende que o incentivo deve ser aumentado, e não reduzido. "A gente tem que lutar para ampliar o programa, melhorar e chegar em mais alunos. É um programa muito barato para o benefício que ele pode trazer para o nosso país", frisa.

Para receber o benefício, os alunos devem atender a alguns requisitos, como estar matriculado, ter 80% de frequência nas aulas, concluir o ensino médio e participar do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Ao concluir os estudos, podem acumular até R$ 9,2 mil. As parcelas são depositadas em uma conta vinculada ao nome do estudante, podendo ser sacado ao longo do ensino médio ou ao fim dele.

 

Danandra Rocha
postado em 10/03/2025 04:00
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