Um dos fundadores da Xertica.AI, empresa de soluções tecnológicas com atuação em seis países da América Latina, Saul Chrem está otimista com o uso crescente de inteligência artificial no Judiciário brasileiro. Na avaliação dele, a tecnologia pode contribuir sobremaneira para os tribunais analisarem com mais celeridade os 84 milhões de processos em curso, distribuídos entre 18 mil juízes. "A Justiça brasileira já entendeu que a única forma de resolver esse volume de processos dos tribunais não é incrementando a estrutura, mas investindo em tecnologia", afirma, nesta entrevista ao Correio. Um dos avanços citados por Chrem ocorre no Ministério Público do Rio Grande do Sul, onde é possível transcrever horas de vídeos em questão de minutos. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista.
- Leia também: Os desafios da inteligência artificial na política
Qual a maior mudança que a IA pode proporcionar no Judiciário?
Dos cinco maiores tribunais de justiça do mundo, três estão no Brasil: São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro. O setor tem observado um índice de judicialização cada vez maior. O Brasil conta hoje com aproximadamente 84 milhões de processos em tramitação, distribuídos entre 18 mil juízes, de acordo com dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Considerando o aumento médio de 10% ao ano que temos observado, é humanamente desafiador — para não dizer impossível — finalizar a análise e o julgamento de todos os processos, além de concluir os trâmites previstos, como acompanhamento de sessões. Uma prova disso é que observamos um atraso na conclusão desses processos, com tempo de tramitação médio de sete anos.
A IA está mudando esse quadro?
Assim como em outros setores, a IA está transformando a maneira como o sistema judicial brasileiro lida com o alto volume de processos e tem muito a somar na automatização de tarefas, o que consequentemente pode reduzir o tempo dos processos. Para dar celeridade e eficiência a atividades repetitivas — e que demandam bastante energia e esforço das instituições, nós desenvolvemos, por exemplo, uma função avançada de tomada de decisão orientada por IA, para autoridades e instituições governamentais, capaz de otimizar audiências virtuais, transcrever documentos judiciais ou jurisprudência, além de identificar atores — tudo para contribuir com a velocidade e precisão do setor, que opera em formato totalmente digital. Com a digitalização dos fluxos de trabalho jurídicos e ao permitir audiências virtuais, impulsionamos o o à justiça para mais de 35 milhões de cidadãos.
Qual será o papel dos juízes com o avanço da IA?
Com o aumento da ibilidade à Justiça, o que é muito positivo, também veio uma demanda muito maior para os servidores públicos, e a estrutura atual não consegue acompanhar esse crescimento. A Justiça brasileira já entendeu que a única forma de resolver esse volume de processos dos tribunais não é incrementando a estrutura, mas investindo em tecnologia. Então, a IA é uma aliada indispensável para enfrentar a sobrecarga do sistema judiciário. Ela vem para preencher essa lacuna, oferecendo rapidez e precisão nas tarefas operacionais, permitindo que os juízes se concentrem em decisões críticas e estratégicas. Com o alto índice de judicialização, a IA, por meio de ferramentas de análise de precedentes, por exemplo, também é uma grande aliada em encontrar documentos análogos a um caso específico que podem ser usados como base para argumentação jurídica. A IA não vem para substituir as pessoas, mas para o empoderamento das pessoas na melhoria da qualidade e agilidade no atendimento ao cidadão.
A digitalização no Judiciário pode tornar o Brasil uma referência?
O Brasil destaca-se globalmente pela avançada digitalização do seu sistema judiciário. Com a continuidade dos investimentos em tecnologia e inovação, o Brasil tem potencial para consolidar-se como uma referência mundial na modernização do Judiciário. Apesar do potencial significativo, ainda há desafios que afetam seu progresso nessa área. A digitalização envolve diversos aspectos, como infraestrutura de tecnologia da informação, o à internet, inovação no setor público e privado, educação digital, uso de tecnologias emergentes e claro, o a investimentos. O governo federal tem implementado uma série de iniciativas que utilizam a IA para melhorar serviços públicos, otimizar processos e promover o bem-estar social, como parte da estratégia do Plano Brasileiro de Inteligência Artificial (PBIA), que prevê investimentos de R$ 23 bilhões até 2028. Por outro lado, para que o Brasil seja uma referência em digitalização, é preciso considerar sistemas em nuvem que sejam capazes de processar e analisar uma grande quantidade de dados em tempo real, uma infraestrutura complexa que temos trabalhado para assegurar nos mais diversos setores.
De que maneira a tecnologia pode ampliar o o do cidadão à Justiça?
Estamos falando de uma Justiça mais ágil, e isso significa que aqueles que dependem das decisões da Justiça podem seguir em frente com suas vidas e negócios de maneira mais rápida. Além da celeridade, a IA pode apoiar na equidade e transparência de todo o processo, fazendo que as decisões sejam mais assertivas e justas. A IA está proporcionando uma revolução silenciosa, que melhora a resolutividade sem comprometer a qualidade.
Vocês têm algum case ligado à Justiça aqui no Brasil?
Sim. O Ministério Público do Rio Grande do Sul já utiliza soluções de IA que têm gerado ganhos expressivos em produtividade, como a transcrição de horas de vídeos em questão de minutos. A inteligência artificial não apenas agiliza os processos, mas também possibilita que os promotores consigam respostas detalhadas em segundos. Com isso, eles podem direcionar seu tempo para questões mais estratégicas, tornando o sistema judicial mais eficiente e preciso. Essas inovações tecnológicas aceleram o funcionamento do Judiciário e beneficiam não apenas os servidores públicos, mas toda a sociedade que depende de uma Justiça mais eficiente e ível.
Como avalia a recente resolução do CNJ sobre o tema, disciplinando o uso de IA nos tribunais?
Acreditamos na importância da regulamentação da IA em todos os setores para garantir o uso assertivo e seguro da tecnologia, que a por mudanças e atualizações cada vez mais recentes e que precisam estar em conformidade com normas éticas e a proteção de dados pessoais. A IA também deve ser considerada como uma aliada importante na busca por um sistema jurídico mais seguro e transparente, apoiando a assertividade das decisões, sempre com o apoio da supervisão humana.
Qual impacto a IA pode gerar em microempresas? Vocês têm projeto nessa área?
O nosso objetivo é capacitar empresas e instituições com ferramentas que elevem a eficiência operacional, melhorem as tomadas de decisões e tenham implicação na sociedade. Estamos focados em clientes privados de setores específicos: varejo, bens de consumo, saúde e serviços financeiros e também organizações do governo, principalmente com soluções para justiça, saúde e meio ambiente. A IA tem capacidade de gerar um impacto positivo em qualquer empresa que trabalhe com base de dados e precise de um sistema inteligente para analisá-los. Nosso objetivo é apoiar essas organizações na tomada de decisões assertivas, com uma visão holística de suas informações.
O Judiciário brasileiro tem se adaptado bem a tantas mudanças?
Atualmente, os processos eletrônicos no Brasil são totalmente digitais, e sua tramitação também ocorre de forma eletrônica. O Brasil, além de ser pioneiro na digitalização dos processos judiciais, tem se adaptado rapidamente às exigências da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), se destacado na promoção da transparência e do o à informação no Judiciário e explorado o uso da tecnologia blockchain — a fim de garantir a segurança e a imutabilidade de documentos e registros judiciais. O país tem iniciativas e boas práticas que o consolidam como um modelo de eficiência, ibilidade e inovação na justiça digital. Contudo, ainda há espaço para melhorias.
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