trama golpista

Discussão e voz de prisão no STF

Testemunha do ex-comandante da Marinha, Aldo Rebelo desafia o ministro Alexandre de Moraes, é enquadrado e ainda recebe reprimenda do procurador-geral da República, Paulo Gonet

Ministro Alexandre de Moraes -  (crédito: Gustavo Moreno/STF)
Ministro Alexandre de Moraes - (crédito: Gustavo Moreno/STF)

Era para ser mais um dia de oitiva, no Supremo Tribunal Federal (STF), das testemunhas do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ), dos generais da reserva Walter Braga Netto e Augusto Heleno, e do almirante da Marinha Almir Garnier, no inquérito do golpe de Estado que pretendia manter Jair Bolsonaro no poder, mesmo derrotado nas eleições presidenciais de 2022. Mas a sessão teve um momento de animosidade e mesmo uma tentativa de evitar prestar depoimento.

A tensão foi durante a oitiva de Aldo Rebelo, ex-ministro da Defesa do governo Dilma Rousseff, entre 2015 e 2016. Testemunha de Almir Garnier, ex-comandante da Marinha do governo Bolsonaro, foi indagado pelo advogado do almirante, o ex-senador Demóstenes Torres, se seria possível mobilizar as tropas da armada para aderir a uma quartelada, sem que para isso tivesse de seguir um protocolo.

A ideia do defensor de Garnier era rebater o depoimento, prestado no dia anterior pelo ex-comandante da Aeronáutica do governo Bolsonaro, tenente-brigadeiro Carlos Baptista Júnior, de que o almirante colocou todo o dispositivo da Marinha “à disposição” do ex-presidente para levar adiante uma ruptura democrática.

“É preciso levar em conta aquilo que conhecemos como a força da expressão. A força da expressão nunca pode ser levada literalmente. Quando diz ‘estou frito’, não significa que esteja dentro de uma frigideira”, disse Rebelo.

Moraes reagiu à divagação de Aldo e cobrou-lhe uma resposta objetiva. “O senhor não tem condições de analisar a língua portuguesa. O senhor estava na reunião?”, indagou o ministro.

Aldo retrucou. “A minha apreciação da língua portuguesa é minha e eu não ito censura”.

Foi quando Moraes informou à testemunha de Garnier que poderia dar-lhe voz de prisão caso não se comportasse. “Eu estou me comportando”, respondeu Rebelo. O ministro salientou que advogado e testemunha de defesa devem ser objetivos e se ater aos fatos.

“Apreciação fática é o que a testemunha faz, não pode dar opinião. Pode falar de fatos apenas”, destacou Moraes.

Foi quando Aldo ou a explicar que uma decisão de mobilizar todo o efetivo da Força, mesmo que convocada pelo comandante da Marinha, precisa ser submetida a toda a cadeia de comando da armada. “O que eu gostaria de saber é se o inquérito apurou junto a essa estrutura de comando”, provocou Aldo.

Aí foi a vez de o procurador-geral da República, Paulo Gonet, o interpelou. “Quem faz as perguntas são os advogados e não a testemunha”, disse Gonet.

“Quem quer saber somos nós, não o senhor. Se o senhor quer saber, vai ler na imprensa depois”, reforçou Moraes.

Demóstenes, então, perguntou se a Marinha teria condições para dar um golpe de Estado. Moraes, então, fez uma advertência. “Aldo Rebelo é um historiador, é uma pessoa inteligente. Ele sabe que em 64 não foi ouvida toda a cadeia de comando para se dar o golpe militar. Não podemos fazer conjecturas fora da realidade. Não pode perguntar algo que ele não tem conhecimento técnico. Ele é um civil, que foi ministro da Defesa, mas é um civil”, afirmou o ministro.

“A atuação da Marinha é muito reduzida. Não tem capilaridade. A capilaridade está no Exército”, respondeu Aldo.

Já a tentativa de evitar prestar depoimento a respeito de Garnier foi do atual comandante da Marinha, Marcos Sampaio Olsen. O pedido foi rejeitado e, por conta da decisão do STF, foi interrogado pelo advogado do almirante e por Moraes.

Na oitiva, Olsen foi questionado a respeito das razões pelas quais Garnier não compareceu à cerimônia de transmissão de comando. O ministro e Gonet questionaram se o almirante rompera uma tradição de cavalheirismo da Marinha por questões ideológicas. “Ao que tenho notícia não há registro em ocasiões anteriores de alguém que tenha se ausentado”, devolveu Olsen.

Eis o entrevero entre Aldo e Moraes

ALDO REBELO — “É preciso levar em conta que na língua portuguesa nós conhecemos aquilo que se usa muitas vezes que é a força da expressão. A força da expressão nunca pode ser tomada literalmente. Quando alguém diz que ‘estou frito’ não significa que está dentro de uma frigideira, quando diz que ‘está apertado’ não significa que está submetido a uma pressão literal. Quando alguém diz estou à disposição, a expressão não precisa ser lida literalmente”.

ALEXANDRE DE MORAES — “O senhor estava na reunião quando o almirante Garnier disse a expressão? Então, o senhor não tem condição de avaliar a língua portuguesa naquele momento. Atenha-se aos fatos”.

ALDO REBELO — “Em primeiro lugar, a minha apreciação da língua portuguesa é minha e eu não ito censura”.

ALEXANDRE DE MORAES — “Se o senhor não se comportar, o senhor será preso por desacato”.

ALDO REBELO — “Estou me comportando”.

ALEXANDRE DE MORAES“Então se comporte e responda à pergunta. Testemunha não pode dar seu valor à questão. Mas, tem toda a liberdade para fazer uma resposta tática”.

Mourão nada soube sobre golpe

O ex-vice-presidente da República e hoje senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) depôs como testemunha de defesa do também general da reserva Augusto Heleno — que no governo Bolsonaro esteve à frente do Gabinete de Segurança Institucional (GSI). Frisou que são amigos há mais de 40 anos e que em momento algum teve conhecimento ou escutou rumores sobre uma tentativa de golpe do ex-presidente. Afirmou, ainda, desconhecer qualquer documento com o planejamento da trama — como a minuta golpista, apresentada na reunião de junho de 2022, quando se debateu a possibilidade de melar as eleições em caso de vitória do hoje presidente Luiz Inácio Lula da Silva. À época, Heleno pediu a palavra e afirmou que se tivessem que agir para o que parecia ser uma ruptura democrática, deveriam fazê-lo “logo”.

Na audiência, Mourão disse que não participou de nenhuma reunião que tenha envolvido alguma intentona golpista e afirmou não ter falado sobre o Peru, que vivia uma tentativa de autogolpe, em 2022. O procurador-geral da República, Paulo Gonet, perguntou-lhe se achava que Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro e delator, era “mentiroso”, já que o tenente-coronel do Exército também tinha falado sobre a conversa.

“Não, não posso dizer que ele era mentiroso, até porque não tive o ao que ele disse”, respondeu o senador.

O diálogo em questão, segundo as investigações, foi entre tenente- coronel do Exército Sergio Ricardo Cavaliere de Medeiros, alvo da Operação Tempus Veritatis, e Mauro Cid. Cavaliere encaminhou para o ex-ajudante de ordens de Bolsonaro quatro prints de uma conversa com o interlocutor de nome Riva. Nas mensagens, Riva encaminha o que seriam informações de uma reunião entre Bolsonaro, Mourão e outros generais. Riva afirma que o ex-presidente negociou com outros generais a saída do país rumo aos Estados Unidos.

Ele foi responsável pelo último discurso da gestão Bolsonaro, quando fez um pronunciamento em rede nacional em 31 de dezembro de 2022, e foi vaiado por bolsonaristas e chamado de “traidor” no acampamento no Quartel-General do Exército.

Nesse discurso, Mourão, presidente em exercício, pediu que bolsonaristas lutassem “pela preservação da democracia” e que voltassem “à normalidade”. Sem mencionar nomes, o hoje senador destacou o “silêncio” de “lideranças” que afetou a imagem das Forças Armadas.

Sobre Heleno, Mourão foi só elogios. “O general Heleno é um ícone da nossa geração. É o primeiro colocado em todos os cursos que fez dentro do Exército, não só pelo seu conhecimento, mas por ser um homem que sempre deu exemplo. Aquilo que ele exigia dos subordinados, ele exigia a si mesmo. Sempre destacou-se e sempre foi extremamente respeitado pelos pares e por todos os subordinados”, disse Mourão. (Com Agência Estado)

 

 

MM
postado em 24/05/2025 03:55
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