Yerevan, Tatev, Noravank, Garni, Khor Virap, Geghard, Khndzoresk. É impossível retornar da Armênia e não se recordar de cada lugar com carinho. Sentir uma palavra genuinamente brasileira: saudade. Cada canto do pequeno país incrustado no Cáucaso, entre a Europa e a Ásia, transpira — e inspira — fé, misticismo e devoção. O berço do cristianismo no mundo possui nada menos do que 2 mil igrejas, muitas delas erguidas poucos séculos depois de Cristo.
Um dos principais símbolos da Armênia, o Monte Ararat, se impõe, quase que onipresente, com seus 5.137m de altura. Naquela montanha, segundo o Livro do Gênesis, a arca construída por Noé, a pedido de Deus, ficou encalhada depois de 40 dias e 40 noites de chuvas que inundaram o planeta por cinco meses. Hoje, o Ararat parece tão perto e tão distante do povo armênio: há 100 anos, ou a integrar o território da Turquia, depois do genocídio perpetrado pelo Império Otomano entre 1915 e 1921 — uma ferida aberta no seio de uma nação que anseia viver em paz e que ainda sofre agressões de vizinhos.
Yerevan, a capital das artes 5f1g50
Um bom ponto de partida para conhecer a Armênia é a capital, Yerevan. Com cerca de 1 milhão de habitantes — um terço da população do país —, a cidade tem o charme das metrópoles europeias com uma vantagem: a segurança. É tradição dos armênios caminhar pelas calçadas, em grupos de amigos ou em família, em busca dos excelentes restaurantes ou de apresentações de ópera e teatro.
Ao cair da noite, os prédios históricos da Praça da República, no coração de Yerevan, ganham uma iluminação especial. Um dos edifícios guarda o brasão nacional com a foice e o martelo dos tempos de União Soviética apagados. Um sinal de que foi preciso abandonar o ado para forjar um futuro de prosperidade e desenvolvimento.
Quem vai a Yerevan não pode deixar de conhecer o Cascade, uma mistura de jardim suspenso em cinco terraços, em forma de escadarias, e de galeria de arte. Ao fim dos 572 degraus, é possível ter uma vista de tirar o fôlego do Ararat se erguendo sobre a cidade. Concebido pelo arquiteto Alexander Tamanyan (1878-1936) e finalizado pelo também arquiteto Jim Torosyan (1926-2014), o Cascade também é uma conexão entre a área alta, basicamente residencial, e a região central da capital. As peças de arte expostas no interior do Cascade, e adas também por meio de uma escada rolante, fazem parte do acervo do filantropo armênio Gerard Cafesjian (1925-2013).
Na pequena esplanada diante do Cascade, podem ser iradas esculturas do colombiano Fernando Botero. Caminhar pelas ruas da capital é um convite a se surpreender. De repente, surgem estátuas magníficas, como a de um homem imenso sentado sobre uma árvore, no meio de um parque, onde se destaca o som de corvos, ou um busto em pedra sabão de Martiros Saryan, um dos maiores pintores armênios. Durante a caminhada, é possível saciar a sede em muitas fontes de água fresca e potável, as pulpulaks, parte da cultura armênia.
Falar sobre Yerevan também é lembrar do cantor franco-armênio Charles Aznavour (1924-2018) e da banda de metal System of a Down. Em 23 de abril de 2015, o vocalista Serj Tankian liderou um concerto histórico, diante de 50 mil pessoas, na Praça da República. No centenário do genocídio armênio, a música escolhida para a abertura do show — Holy Mountains — faz menção ao Monte Ararat e à invasão otomana.
Conhecer Yerevan também exige frequentar restaurantes e apreciar a comida armênia, com destaque para o mante — pequenas bolas de carne de boi ou de carneiro servidas em um molho de iogurte —; dolma, semelhante ao charuto, mas com arroz, legumes e carne embrulhados em folha de videira; lavash, espécie de pão-folha, muito famoso no país; e o gata, pão feito com castanhas e iogurte armênio.
Khor Virap, a prisão de São Gregório 2v4si
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Duas igrejas compõem Khor Virap — uma datada do século 7 d.C. e outra do século 17. A mais antiga, e menor, foi construída inclinada, a fim de que o altar principal ficasse exatamente sobre o poço de 6,5m de profundidade onde São Gregório o Iluminador (254-331) esteve preso por 13 anos sob as ordens do rei Tirídates III. Seu crime foi pregar o cristianismo em uma área onde o paganismo era a religião oficial. Único sobrevivente de uma família assassinada em vingança à morte do rei Khosrov II, São Gregório se apegou à religião por ter sido criado por cristãos clandestinos. Ele chegou à Grande Armênia acompanhado de 37 monjas.
Quem vai a Khor Virap pode descer por uma escada de ferro vertical até o fundo do poço onde São Gregório ficou confinado. No local, está exposta uma pintura com a imagem do santo. O monastério também propicia uma das vistas mais fantásticas do Ararat. Na igreja mais nova, um feixe de luz do sol entra pelo domo e vai de encontro ao chão, perto da entrada. A depender da posição, o visitante consegue ser fotografado como que recebendo a luz nas mãos ou sobre a cabeça.
Geghard, o monastério da lança
Em várias covas abertas dentro da montanha, os monges dormiam e copiavam manuscritos. A origem do mosteiro remonta ao século 4, quando os monges ergueram uma pequena capela. O templo não existe mais: acredita-se que tenha sido destruído durante uma invasão do califado árabe, no século 9. De acordo com a tradição, a construção ficava ao lado de um manancial, o qual foi ponto de adoração da água pelos seguidores do paganismo, antes do século 4. O interior de Geghard é dividido em três ambientes no térreo e mais um grande salão no andar superior, o qual pode ser visualizado, do piso inferior, por um buraco no teto. Tudo ali dentro é rocha bruta. Em um dos ambientes, a água escorre, forte, em forma de filete, depois de represada dentro do templo.
Nas paredes, inscrições milenares em forma de crucifixo e desenhos, talhados na própria pedra, de dois leões — símbolos da família real da Grande Armênia e sinal de que os soberanos frequentaram o mosteiro, atualmente na lista de patrimônio cultural da humanidade. No entorno do mosteiro, assim como em tantas outras igrejas e monastérios armênios, é possível irar os kachkars, imensos crucifixos incrustados em um bloco de rocha. Um dos símbolos da cultura da Armênia, os kachkars também são patrimônio cultural imaterial da humanidade.
Tatev, o esconderijo da devoção
O complexo de Tatev é formado por duas igrejas — a menor, da Santa Virgem, se situa em um ponto mais alto, ível por meio de escadas; a principal, de São Pedro e São Paulo, que foi erguida dois séculos antes do próprio monastério e concluída no ano 905. Tatev era um local tão importante que o próprio rei Smbat I Bagratuni participou da inauguração. Duas teorias explicam a origem do nome Tatev: a primeira está em um dos discípulos de São Judas Tadeu, chamado Estateus, que pregou o cristianismo na região e foi martirizado; a segunda envolve uma lenda segundo a qual um sacerdote que colocava a cruz na cúpula da igreja principal gritou "Que Deus me dê asas" ("Astvats ta tev", em armênio), tornou-se alado e voou.
Garni, o templo ao deus-Sol
Khndzoresk, cidade no abismo 2n1a6x
Hin Khot, a "Machu Picchu" armênia 5d27j
Uma cidadela construída na encosta da montanha, com um pico nevado ao fundo e um riacho abaixo. Não à toa, Hin Khot ganhou o apelido de "Machu Picchu da Armênia". A diferença é que as ruínas de Hin Khot seguem praticamente intocáveis. Caminhar pelo mato, entre as casas de pedra, requer atenção: serpentes, vez ou outra, podem ser vistas no local. O povoado teria sido habitado por volta de 1205, quando um conde presenteou o território para o monastério de Tatev, 20km ao sul.