Há curiosas coincidências na vida que transformam coisas despretensiosas em acontecimentos marcantes. Em meados de 2024, fui ao cinema assistir ao novo filme de Yorgos Lanthimos e valeu muito mais pelo trailer de um filme que seria lançado só em janeiro de 2025, Conclave. O trailer informava que o filme era baseado no best-seller de Robert Harris, então comprei o livro para começar por aí enquanto o filme não chegava às telonas. Além de gostar de thrillers políticos, eu estava planejando conhecer Roma e o Vaticano no ano seguinte.
O livro tem uma narração ágil que lembra Dan Brown, mas com foco mais na política e nos diálogos, o que lembra House of Cards. Há um suspense no ar e o tempo todo ficamos esperando por algo espetacular, um crime, uma explosão, mas os conflitos de Robert Harris são todos muito verossímeis e a trama política muito bem desenhada, além de representar bem a tensão entre conservadores e progressistas do nosso tempo. A surpresa e a provocação estão reservadas para o final, mas não vou dar spoiler.
O filme, que concorreu a vários Oscar e levou a estatueta de Melhor Roteiro Adaptado, funciona bem, conseguindo criar ação de uma eleição realizada com algumas dezenas de bispos trancados em um mesmo local, sem comunicação com o mundo externo. A atuação de Ralph Fiennes (que interpretou Voldemort nos filmes de Harry Potter) contribui muito para isso, assim como os impressionantes figurino e fotografia (as imagens são um desbunde). Só que o ritmo do livro torna a reviravolta da eleição muito mais compreensível, além de aprofundar mais os aspectos ideológicos envolvidos na eleição.
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Mas a curiosa coincidência é que meses depois do filme ser lançado, em 21 de abril de 2025, o papa Francisco morreu. E nossa viagem para Roma seria para dali a 15 dias, o que nos causou certa apreensão. De imediato a audiência papal que havíamos reservado foi cancelada. Além disso, havíamos comprado (caros) ingressos para visitar os Museus do Vaticano e Capela Sistina. Enviamos e-mail ao Vaticano questionando sobre a visita e eles responderam que estava confirmado, só sem a Capela Sistina, pois o conclave aconteceria nela (como eu já sabia em função do livro, claro).
Em Roma durante o Conclave 2r6xp
Chegamos em Roma dia 6 de maio de 2025 muito cedo, um dia antes do início do conclave. Como eu tinha muita curiosidade por conhecer o Vaticano, deixamos as malas em um locker e enquanto não podíamos fazer check-in, fomos até a Praça, entramos na Basílica de São Pedro, circulamos tranquilamente por toda a igreja e tiramos fotos inclusive com a Pietá. Voltamos mais tarde à região e ela estava sempre movimentada, inclusive com muitos repórteres, mas era possível ar os espaços com tranquilidade.
No dia 7, em torno das 18 horas resolvemos ar perto do Vaticano para ver o movimento, afinal os bispos estavam reunidos e a qualquer momento haveria a famosa fumaça. Curiosamente as filas para o à praça estavam pequenas, então acabamos entrando novamente. A fila acontece por causa da revista, é preciso ar por um detector de metais e não são permitidas a entrada com guarda-chuva ou pau de selfie, por exemplo.
O espaço reservado aos fiéis fica cheio, mas não aglomerado. O clima é de muita expectativa, especialmente naquele dia em que houve grande atraso (algumas pessoas em dado momento batiam palmas como se estivessem em um teatro com início atrasado, o que confesso me constrangeu um pouco). Mas é natural que boa parte daquela multidão estivesse ali turistando, pela selfie, afinal conclaves só acontecem de muitos em muitos anos (papa Francisco tinha ficado 13 anos no papado).
Por outro lado, nitidamente havia muitos religiosos, de diferentes lugares do mundo e de todas as idades. Via-se pessoas visivelmente emocionadas, senhoras e senhoras caminhando com dificuldade mas com um sorriso no rosto, famílias inteiras com crianças e cachorros, além de muitos padres e freiras humildemente misturados à multidão e repórteres com os mais diferentes idiomas fazendo suas chamadas em meio às pessoas.
Como a demora foi aumentando, saímos da Praça São Pedro em direção à avenida, que estava fechada por conta do conclave e repleta de gente para aguardar ali pela fumaça. Nesta rua há mais espaço de circulação e para sentar. A visão da imponente Basílica é boa igual, e tanto na praça quanto nesta rua havia diversos telões exibindo a imagem da pequena chaminé.
“Habemus papa” 6y3x58
Já era noite quando finalmente saiu a fumaça. Preta. Infelizmente para nós, mas conforme previsto por todos, pois a primeira votação (isso aprendi com o livro) é mais fraternal do que política, com amigos votando em amigos e todos tentando entender o cenário.
Agora eu poderia mentir que no dia seguinte voltei duas vezes a Praça para enfim ver a fumaça branca que à tarde consagrou Leão XIV como novo papa. A verdade é que viagens não funcionam assim: nosso checkout em Roma era até 11 horas e o carro reservado para a nossa roadtrip. Aliás, estávamos sentado comendo uma pizza em San Marino quando ouvi uma mulher falando alto ao telefone: “Que sucedi, mama?”, para depois gritar para seus amigos: “Minha mãe está no Vaticano, a fumaça foi branca, habemus papa”.
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Nunca imaginei, quando li o livro por causa do filme, que estaria de alguma forma participando do próximo conclave, muito menos de forma tão próxima. Para mim ficou evidente a persistente força da igreja católica não apenas como instituição, mas também como referência simbólica para pessoas de tantas partes do mundo. A energia do Vaticano e mais ainda das pessoas ao redor era de esperança, de congregação, da certeza de estar em direção a um propósito e de não estar fazendo sozinhas. Que esta energia inspire o novo Papa e ele amplie a atenção da Igreja à diversidade, à paz e aos necessitados.
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