Opinião

O que São Paulo e Fortaleza nos ensinam sobre segurança viária

O aumento das mortes no trânsito não pode ser tratado como um efeito colateral inevitável do crescimento das cidades ou das mudanças na mobilidade. Reduzir mortes no trânsito deve ser um compromisso político

PRI-2904-OPINI -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-2904-OPINI - (crédito: Maurenilson Freire)

Por Ana Carboni*

O aumento das mortes no trânsito em São Paulo evidencia uma crise na fiscalização e na implementação de medidas eficazes para a segurança viária. Em 2024, a cidade registrou 1.031 óbitos no trânsito, um crescimento alarmante de 42% em relação a 2021. Paralelamente, a aplicação de multas caiu drasticamente, reduzindo-se quase à metade. Essa realidade não é um caso isolado: reflete a fragilidade da segurança viária em todo o Brasil.

As alterações no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), aprovadas em tempo recorde pelo Congresso por meio do PL 3.267/2019, proposto pelo Executivo, agravaram esse cenário. Embora a tentativa de remoção de radares tenha sido barrada pelo Judiciário, o então presidente defendeu publicamente a retirada desses equipamentos sob o argumento de devolver ao povo brasileiro "o prazer em dirigir". Durante esse período, muitos radares foram desativados e nunca mais reativados.

No entanto, há um caso a ser comemorado e replicado por outras cidades: Fortaleza, que se consolidou como referência nacional e internacional em segurança viária. Entre 2014 e 2023, a cidade reduziu em 58,4% o número de mortes no trânsito, com destaque para as vias onde os limites de velocidade foram ajustados para 50 km/h, resultando em uma redução média de 68% desde a primeira intervenção em 2018. Esse resultado decorre de uma abordagem integrada, que combinou redesenho viário, infraestrutura, fiscalização, educação, comunicação e gestão baseada em dados. A cidade implementou um Plano de Gestão de Velocidade como parte de um esforço mais amplo para criar ruas mais seguras e conscientizar os usuários.

Em maio, o Brasil celebra o Maio Amarelo, movimento internacional que chama atenção para a segurança no trânsito. As ações educativas realizadas anualmente são importantes, mas precisam ser complementadas por uma abordagem integrada, como a adotada em Fortaleza, para promover mudanças significativas que tornem o trânsito mais seguro e contribuam para a redução do número de sinistros e de mortes.

A sociedade civil está mobilizada e atua ativamente em diversas frentes, buscando a tramitação e a aprovação do Projeto de Lei das Velocidades Seguras (PL 2.789/23), atualmente em análise no Congresso Nacional, que tem como objetivo principal a adaptação dos limites de velocidade nas vias urbanas de todas as cidades. Uma comitiva de especialistas nacionais e internacionais, membros da Iniciativa Bloomberg de Segurança Viária Global, participou, nos últimos dias, de encontros e reuniões para debater a situação do Brasil — incluindo agendas nos ministérios da Saúde, dos Transportes e das Cidades — com o objetivo de engajar gestores públicos na implementação de medidas eficazes.

O texto do projeto de lei é resultado do esforço de organizações da sociedade civil, tendo o apoio de mais de 60 entidades e sido elaborado com base em pesquisas científicas, contando com a colaboração de técnicos e especialistas em segurança viária. A proposta visa ajustar os limites nas vias urbanas de acordo com sua utilização, com velocidades definidas para vias de trânsito rápido e arteriais. Em vias coletoras e locais, não ocorrerá qualquer mudança nos limites previstos atualmente.

As propostas seguem a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de velocidades máximas de 50km/h em vias urbanas, com preferência por 30km/h em áreas de grande circulação de pedestres e ciclistas. Essas recomendações são eficazes para evitar a sobrecarga do Sistema Único de Saúde (SUS) e reduzir perdas econômicas significativas. Por exemplo, no Paraná, os sinistros  de trânsito geraram um custo de R$ 36 milhões ao SUS apenas entre 2022 e 2023. No âmbito nacional, entre 2012 e 2020, as internações hospitalares decorrentes de sinistros de trânsito consumiram cerca de R$ 2,9 bilhões do orçamento do SUS. Em Fortaleza, estima-se que, entre 2015 e 2024, além das vidas preservadas, os sinistros fatais evitados representaram uma economia de R$ 564 milhões.

O cenário atual exige um debate qualificado e a implementação de medidas eficazes para reverter essa tendência. O aumento das mortes no trânsito não pode ser tratado como um efeito colateral inevitável do crescimento das cidades ou das mudanças na mobilidade. É fundamental que gestores e legisladores priorizem políticas baseadas em dados e evidências, garantindo fiscalização rigorosa e controle de velocidade como estratégias comprovadas para salvar vidas. Reduzir mortes no trânsito deve ser um compromisso político e, acima de tudo, um compromisso com a vida da população brasileira.

*Ana Carboni é Conselheira da União de Ciclistas do Brasil e ativista por um trânsito seguro 

Por Opinião
postado em 29/04/2025 06:00 / atualizado em 29/04/2025 06:10
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