
Em texto escrito pouco antes da última internação a que foi submetido, o papa Francisco aponta os desafios do envelhecimento. "Não devemos ter medo da velhice, não devemos temer abraçar o envelhecer, porque a vida é a vida, e adoçar a realidade significa trair a verdade das coisas (...) É verdade, envelhecemos, mas esse não é o problema: o problema é como envelhecemos." O prefácio do livro Na espera de um novo começo. Reflexões sobre a velhice é mais um dos nobres ensinamentos do pontífice que precisam ecoar para além das balizas da Igreja Católica. Trata-se de desafio que extrapola também os limites individuais. Portanto, de razão civilizatória.
Maior país católico do mundo, o Brasil não escapa à urgência de aceitar-se velho, como sugere Francisco. Projeções recentes do IBGE deixam evidente que, se não começar a se ajustar agora à nova configuração etária que se molda de forma acelerada, o país corre o risco de ver estruturas sociais debilitadas colapsarem. Até 2030 — ou seja, em menos de cinco anos —, o Brasil terá mais idosos do que crianças. Pouco tempo depois, em 2046, os 60 formarão a maior fatia populacional do país, chegando a 28%, quase o dobro do percentual atual.
Viver e fazer planos em um país majoritariamente idoso será, sem dúvidas, um desafio. E não faltam sinais de que o Brasil resiste a enfrentar a "verdade das coisas". No campo da saúde, a falta de profissionais especializados é gritante. A estimativa do Conselho Federal de Medicina é de que seria preciso ter mais 29 mil geriatras para dar e à atual população idosa conforme as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) — hoje são apenas 2.670 profissionais, contra 48.650 pediatras.
Ao Correio, a geriatra Aline Laginestra atribui esse deficit a uma resistência da própria categoria em aceitar o envelhecimento: "Ver a velhice com doença é muito difícil. Eu digo que é etarismo porque pratica-se a medicina da longevidade, da antiage". A professora universitária indica a necessidade de o país investir também em educação em saúde e científica para proteger a população dos falsos elixires da juventude.
Pratica-se também no Brasil violência contra os idosos, em todas as suas formas. Em 2023, foram registradas 390 queixas de denúncias de violência contra os mais velhos por dia, segundo dados da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos. Considerando o fato de que os filhos são os principais agressores, ao menos a metade deles, é razoável afirmar que o número real de vítimas é muito maior.
Não está velado, porém, que a maioria das vítimas é mulher e que os crimes envolvem de negligência a violência psicológica, ando por abusos físicos e financeiros. Diante de um compilado tão diverso de agressões, a adequação das estruturas de segurança e de e às vítimas deve ser prioridade. Delegacias especializadas, agentes qualificados e refúgio aos vulneráveis — quase sempre pessoas que também sofrem com a autonomia comprometida — estão entre as demandas de agora.
Há ainda que se adaptar o sistema previdenciário, o mercado de trabalho, as estruturas das cidades, os os a lazer e cultura. Tudo isso considerando as especificidades de um país diverso e continental: os idosos que vivem hoje em favelas, como as fluminenses, têm dificuldades de chegar aos serviços do Estado que não sobem o morro, por exemplo. Abraçar a velhice exige do Brasil planejamento e, sobretudo, ação. O país, infelizmente, tem perdido a oportunidade de usufruir da longevidade conquistada de uma forma mais justa e sustentável.
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