Kilma Gonçalves Cezar — Doutora em desenvolvimento sustentável (CDS/UnB), com pós-doutorado em ciência da informação (UnB e UFRJ)
Não faz muito tempo, as redes sociais eram vistas apenas como praças digitais em que as pessoas se reuniam para compartilhar opiniões, experiências e fazer novas amizades. Mas o cenário mudou. Hoje, essas plataformas são muito mais do que espaços de interação: tornaram-se um território digital pulsante, dinâmico e global, capaz de redefinir as relações entre cidadãos, instituições e governos. A velocidade com que as informações circulam, a forma como os debates se desenrolam e a influência que essas dinâmicas exercem sobre a opinião pública mostram que estamos diante de um fenômeno que vai além da comunicação formal, horizontal e unilateral que predominou durante anos.
Esse novo território apresenta desafios complexos e oportunidades imensas, exigindo uma abordagem inovadora por parte do Estado, que precisa avançar e promover mudanças nas práticas tradicionais de gestão pública. Trata-se de uma nova fronteira de governança, permanente e em constante expansão, cujos ecos transformadores reverberam intensamente na sociedade e na política.
O recente anúncio da Meta sobre o fim de seu programa de verificação de fatos ilustra bem a encruzilhada em que nos encontramos. Transferir aos usuários a responsabilidade de corrigir informações incorretas amplia a vulnerabilidade social e contribui para o fluxo de desinformação, exacerbado pela proliferação de notícias falsas e pela manipulação de vídeos gerados por inteligência artificial. Essa dinâmica não só influencia decisões individuais, mas tem um impacto direto sobre políticas públicas e sobre o processo político.
Um exemplo emblemático foi o caso recente de reação negativa a uma proposta da Receita Federal de tributar as transferências via Pix, que levou a um recuo governamental diante das pressões amplificadas em redes digitais. Esse episódio reforça como os ambientes virtuais se consolidaram como arenas de disputa política, onde a mobilização digital pode moldar rumos governamentais em questão de horas.
São inúmeros os casos que evidenciam a constatação de que as redes sociais não são mais periféricas à governança; elas ocupam o centro da arena política contemporânea. Por um lado, expõem a democracia a riscos inéditos, como a manipulação de narrativas e a erosão da confiança nas instituições. Por outro, oferecem um potencial extraordinário para a construção de políticas públicas mais conectadas e inclusivas, ao permitirem um diálogo direto, transparente e em tempo real entre governos e cidadãos.
Nesse contexto, pensar as redes sociais como um território digital é mais do que uma metáfora: é encarar, de fato, um novo paradigma. Assim como territórios físicos demandam planejamento, regulamentação e infraestrutura, o território digital exige estratégias específicas para garantir seu funcionamento ético e eficaz.
Governos devem assumir essa nova territorialidade com seriedade, investindo em uma governança digital que vá além da regulamentação punitiva. É preciso estruturar políticas públicas que integrem as redes sociais de forma estratégica e propositiva. Isso inclui a criação de cargos especializados em algoritmos, análise de dados e comunicação digital, bem como Investir na capacitação contínua de servidores para lidar com as dinâmicas complexas dessas plataformas.
Além disso, o uso de tecnologias avançadas, como IA, pode auxiliar na leitura das demandas sociais em tempo real, permitindo ajustes mais ágeis nas políticas governamentais. Essa integração é um caminho sem volta, mas precisa ser ancorada em princípios inegociáveis: o respeito à privacidade e à liberdade individual, pilares indispensáveis para sustentar a confiança pública.
O território digital não é apenas um espaço de desafios; é um novo horizonte para a democracia como a conhecemos hoje. A exploração responsável e estratégica desse território pode não apenas fortalecer a governança, mas criar novas possibilidades de bem-estar social e inclusão. Assim como o controle e a istração de um território físico impactam no desenvolvimento de uma nação, a gestão eficaz do território digital será crucial para definir os rumos e o futuro das democracias no século 21.
A questão é clara: o Estado está preparado para ocupar e gerir esse novo espaço?